“Feminização do Trabalho”, educação e o papel da escola
A escola é pilar estruturante da divisão sexual do trabalho.
Por séculos, as mulheres exerceram (e ainda exercem) o papel de reprodução da vida, sobretudo a partir de uma lógica calcada na repressão, que buscou mantê-las compulsoriamente limitadas à esfera doméstica ou reprodutiva. Com o avanço da luta feminista por inclusão no mercado de trabalho, o sistema capitalista-patriarcal disputa a manutenção da “divisão sexual do trabalho” com a romantização da vida doméstica, do lar. E isso fica mais evidente nesse momento de isolamento social, no qual os trabalhos produtivos e reprodutivos se acumulam. E, em face da pandemia e da crise do capital, com a necessidade de mão de obra barata para o pós-pandemia com vistas à manutenção do sistema econômico, volta a cena, de maneira impositiva e brutal, o trabalho da reprodução.
Aliado ao labor doméstico, o trabalho do cuidado, que, como pontua Tithi Bhattacharya, compreende atividades ou instituições voltadas para a produção da vida, evidencia o trabalho de reprodução social da vida no centro da manutenção e sobrevivência humana. Quanto maior o nível de cuidado do trabalho, maior a precarização, maior a exploração e maior o perigo na política de reprodução social da mão de obra para a manutenção do sistema. O mundo do trabalho do cuidado é composto de postos laborativos majoritariamente femininos e extremamente pauperizados, com os menores salários e as piores condições.
Nesse espaço, a escola se torna uma estrutura fundamental, como um pilar estruturante da divisão sexual do trabalho, no qual ela é organizada e há a preparação para o trabalho. Ademais, é o local em que se desenvolve o projeto ideológico de subordinação da vida à lógica do lucro. É nesse espaço que se avança na formação da classe trabalhadora, o que, no capitalismo, se constitui enquanto a preparação para a produção de coisas ou do lucro. E é nesse contexto que se constroem e se estabelecem projetos de educação e perpetuação da ideologia dominante e da regulação das massas.
Todo esse debate não surge do nada. Em um momento de pandemia, é o trabalho do cuidado e da reprodução da vida que são requeridos. Manter a vida e reproduzi-la para a manutenção do sistema é uma necessidade inerente ao seu próprio funcionamento.
O capital minimiza os custos e maximiza os lucros. Na educação, aparecem as propostas de teleaulas e de educação à distância (EAD). Trata-se da flexibilização para a dominação e o controle dos corpos. A profetização de uma docência arcaica e ultrapassada existe para a construção e o domínio da política de diminuição de custos e da prevalência da informação em detrimento da formação humanística.
Vivemos um processo acelerado de modernização da educação e da escola. Ou seja, uma nova preparação técnica e ideológica da nova trabalhadora na cena do pós-pandemia. Uma modernização conservadora, mantendo estruturas pedagógicas atrasadas, instituindo um processo de ensino e aprendizagem fundados em meros conteúdos e aulas expositivas, o que Paulo Freire já chamava de “educação bancária”.
Questionar o modelo de educação e de sociedade são fundamentais. Aqui se encontram as teorias feministas marxistas e da educação transformadora. É preciso olhar para a educação com a lente do feminismo. A modernidade necessária está na caracterização do papel da escola e da educação no mundo do trabalho do cuidado. Tal espaço requer uma mudança qualitativa em torno de sujeitos e paradigmas.
A formação transformadora e emancipadora precisa estar a serviço da mudança na perversa lógica da divisão sexual do trabalho e no trabalho reprodutivo. Portanto, estamos disputando o futuro. As medidas de emergência são fundamentais como garantias de condições básicas à formação e à informação. Assim como a alimentação garantida pelo Estado a todas as crianças e adolescentes, medidas protetivas sociais para todos e ainda a negação a esses projetos privatizantes de educação. Porém, é crucial a disputa do papel da educação e sobre que bases se dará o ponto de inflexão desse novo futuro, de forma que o “amanhã não seja só um ontem com um novo nome” (Amarelo, Emicida).