Contribuições do Serviço Social para a urgente luta pela renda básica permanente em tempos de crise do neoliberalismo e pandemia
A pandemia se apresenta como sintoma de um mundo doente.
Pandemia em período de crise do neoliberalismo
Temos dito que a pandemia se apresenta como sintoma de um mundo doente. A crise sanitária revela ao mundo as contradições de mundo capitalista que está se ruindo enquanto um projeto social, econômico, político, ambiental e humano. Uma forte expressão disso é que ela também é desigual nos territórios. Quem está nas periferias são os que mais morrem de Covid-19, são os que estão sentindo os impactos na renda, e o aumento da violência doméstica, a ausência de políticas do estado e uma forte repressão policial. Não é novidade que em nosso país o alvo da fome é o mesmo alvo da violência policial. Isto é são nas comunidades mais pobres onde também a única resposta do estado para a situação de pobreza é a violência em diversas facetas, as mais cruéis são os casos como de João Pedro, Miguel, Agatha, e o próprio caso de George Floyd que simboliza o caráter internacional do racismo enquanto engrenagem para sustentar um sistema de acumulação.
O Brasil atinge a marca de milhões de casos confirmados de coronavírus, um cenário desastroso que aflige a população brasileira, em especial aos que estão sem o direito de isolamento social, as tantas e tantos trabalhadores dos serviços essenciais, trabalhadores da saúde, da assistência, trabalhadoras da limpeza, do comércio como mercado e farmácias, além destes existe uma camada de trabalhadores que cumprem um papel fundamental de garantir que muitos de nós fiquem em casa que são os entregadores de aplicativos (Ifood, UberEats, Rappi), e tantos exemplos que são atordoados pelo medo da fome, das contas mensais e a iminência da miséria.
Bolsonaro têm sido para os brasileiros o pior vírus, pelo caráter obscurantista e autoritário, por seu desprezo pelas vidas ceifada dizendo “e daí?”, e pelo descumprimento diversas vezes das recomendações da OMS, a instabilidade em seus ministérios, sobretudo o da saúde que vem sendo gerido por Eduardo Pazuello, um militar, e o afrouxamento das medidas essenciais para enfrentar a crise sanitária, como a renda básica. A instabilidade política nos ministérios, o descaso com a pandemia e o envolvimento de Jair Bolsonaro e seus filhos em escândalos, como no caso de Fabrício Queiroz, desgastou sua imagem pública reduzindo sua popularidade a 30%. Ainda que exista um núcleo fiel ao bolsonarismo, cada vez mais radicalizado, é preocupante que nessa taxa de aprovação tenha havido um acréscimo dentre a camada mais pobre da população, que recebeu o auxílio emergencial. Esta pequena parcela que passou a ser mais simpática a Bolsonaro é um sinal de alerta.
Os atos antifascistas e antirracistas que ocorreram nas ruas nesse último período, influenciados pela resistência negra nos EUA, colocaram a extrema-direita na defensiva. A batalha nas ruas foi um fato importante, e que não deve ser menosprezado. Mas a história do mundo é a história da luta da luta de classes, como já dizia Karl Marx. E, por isso, devemos seguir na luta até derrotar o governo Bolsonaro e seu projeto político.
A batalha contra Bolsonaro e a luta pela Renda Básica
Mesmo a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, sendo a principal legislação que garante a política de seguridade social para manutenção da vida, o estado de alerta do desemprego e da precarização cada vez mais profunda do trabalho já estava acionado antes mesma da pandemia, ou seja, nem o BPC ou qualquer outro programa de transferência de renda garantem por si só o sustento da população, levando em consideração o acesso a essa política permeado por questões de território, gênero e raça.
Atualmente, segundo o site do Ministério da Cidadania, aproximadamente 15 milhões de brasileiros contemplados pelo Bolsa Família. Se consideramos o programa Cadúnico, que sistematiza as famílias que vivem com uma renda abaixo de três salários mínimo ou até meio salário mínimo por pessoa, esse número será muito maior. Estes são dados que quantificam o tamanho da pobreza, de famílias e sujeitos que vivem a beira ou na miséria. A profunda desigualdade social é um dos pilares da sustentação do modo de produção capitalista, a pobreza é necessária para o manter o lucro de poucos.
Ao contrário do que muitos gostam de dizer, beneficiários do BF não são pessoas ociosas, são famílias que necessitam de complementação de renda seja porque ocupam os postos de trabalho mais precarizados e de baixa remuneração, porque são trabalhadores informais ou desempregados. São uma camada fluida que em momentos oportunos ao mercado são empregados, e quando não, como neste período de crise econômica sem precedentes, são descartados. Este é um perfil social fortemente demarcado pelo gênero e pela racialidade, são as mulheres, em especial as mães, a negritude e a população não-branca , os imigrantes e povos originários, quilombolas e ribeirinhos. Nosso compromisso enquanto estudantes e profissionais do serviço social deve ser de combater estereótipos de busca desmoralizar as famílias que recebem este e outros benefícios assistenciais.
Vale lembrar que a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi regularizada em 2004, dentro dela uma importante conquista foi a estruturação do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Através dela foi possível a instalação de equipamentos públicos como os CRAS e os CREAS nos municípios brasileiros. Os CRAS são territorializados de acordo com a vulnerabilidade social em cada região dos municípios e onde é feita parte da gestão dos benefícios sociais, sendo o principal deles o Bolsa Família, que foi o carro-chefe da política de assistência social durante o governo petista, em especial nos anos do governo de Lula.
A estruturação do SUAS, ainda que tenham muitas limitações, foi uma conquista no sentido de profissionalizar a intervenção sobre as expressões sociais que são fruto da contradição da estrutura capitalista, que historicamente era relegado a caridade e filantropia. Mas é importante dizer, que os esforços do governo petista dentro da política de assistência social são também de natureza política e não à toa o Bolsa Família foi e segue sendo atrelado à imagem de Lula para esta parcela da camada social. Ao mesmo tempo que ocorria o fortalecimento do Bolsa Família, o governo Lula aprovou uma contrarreforma da previdência, um dos pilares da Seguridade Social.
A cartilha do neoliberalismo prega uma política de austeridade e corte das verbas nas áreas sociais. Mas com a pandemia e aprofundamento da crise, até os radicais tiveram que mudar o tom. No início da pandemia, Bolsonaro e Guedes defenderam o valor pífio de R$200 para o auxílio emergencial. A pressão social e a luta de parlamentares da oposição, como os deputadas e deputados do PSOL, o auxílio atingiu o valor de R$600 por até três meses para trabalhadores desempregado ou informais e de R$1200 para mães solo, nesse sentido, a aprovação da lei 13.982/2020, que garante medidas de proteção social durante o período da Covid-19, se mostra como direito fundamental e que deve ser pressionado e fiscalizado para que estenda até o final da pandemia.
Neste mês de julho, os beneficiários recebem sua última parcela, e o governo ainda não apresentou nenhuma proposta definitiva, mas têm se especulado a continuidade do pagamento por três meses a partir de parcela menores (R$ 500, R$ 400 e R$ 300) e ainda em caráter de “voucher” e não como uma política permanente. O Renda Brasil que vem sendo debatido como uma substituição do Bolsa Família nos serve como um sinal de alerta, tendo em vista que Paulo Guedes a mão do mercado financeiro e o principal responsável pela Reforma da Previdência. O Renda Brasil é uma jogada de marketing, uma forma de Bolsonaro retirar os R$ 600,00, com menor impacto para os que foram beneficiados. Pelo que circula na imprensa, mais pessoas seriam beneficiadas com o Renda Brasil, em comparação com o Bolsa Família, e o valor seria de R$ 250 a R$ 300,00. O programa teria início em outubro de 2020.
Estudo do IPEA mostrou que nas regiões Norte e Nordeste, muitas famílias melhoraram a sua renda através do auxílio emergencial. Isto é, antes da pandemia uma parcela da população vivia em situação pior do que estes três meses de renda básica. É comum que a população assemelhe sua melhoria na qualidade de vida ao governo, se distanciando da ideia de direito e aproximando-se da ideia de ajuda. Este é um dos desafios urgentes sobre a disputa da consciência de um programa de assistência social.
Ao invés da Renda Brasil, nossa luta é pela Renda Básica Permanente. A bancada do PSOL na Câmara Federal já protocolou um projeto para estender o auxílio de R$ 600,00 até dezembro. É algo mínimo, mas que ainda será um luta para ser garantido. E, a partir dessa discussão, devemos pautar a urgência da Renda Básica Permanente. Os impactos da crise econômica e sanitária serão brutais. O Banco Mundial atualizou projeção de queda do PIB para 8% em 2020. Antes da pandemia, 40% da classe trabalhadora já atuava na informalidade. E a tendência é piorar, com o aumento do desemprego. Assim, temos um cenário em que os impactos da crise irão durar por um período ainda imprevisível. A melhor política para garantir o mínimo de dignidade para milhões de brasileiros é um programa de renda básica, por tempo indeterminado. Devemos lutar para que mais categorias e setores sejam contemplados, que o valor seja de um salário mínimo, que não haja mais manobras burocráticas do governo para dificultar que as pessoas tenham acesso.
Como desculpa para não ampliar o auxílio de R$ 600,00, Guedes adota a receita neoliberal do “equilíbrio” fiscal, afirmando que não há recursos, que esse seria um gasto muito grande ao governo. Oras, só no período da pandemia, o Banco Central já deu aos bancos uma quantia de aproximadamente R$ 1,2 trilhão, o equivalente a 16,7% do PIB brasileiro. Além disso, a tributação aos banqueiros é baixíssima, além da falta de tributação dos dividendos de acionistas. Ou seja, enquanto o povo paga entre 7,5% até 22,5% de imposto de renda, os banqueiros e outros grandes empresários não pagam nada sobre os lucros obtidos. Por isso, defendemos a taxação das grandes fortunas, além de outras medidas que ataquem os interesses de bancos e do sistema financeiro. Também devemos oferecer respostas ao problema da dívida, exigindo a auditoria e suspensão de pagamento de juros e dividendos para grandes credores.
Renda permanente não é uma ajuda, é direito!
Diante deste contexto exposto, chamamos aos assistentes sociais, estudantes de serviço social e professores universitários a se engajar na luta pelo direito a uma renda permanente aos usuários da assistência social. Nosso compromisso ético-político em defesa da classe trabalhadora, dos direitos sociais, e pela emancipação humana só será possível de conquistar através de luta social.
Se a questão social é considerada o maior campo de intervenção do serviço social, as consequências dessa crise política, econômica e sanitária se constituem grandes desafios para as/os profissionais que, em muitos casos, sequer se afastaram para exercer o direito a quarentena, sobretudo os que trabalham na área da saúde e da assistência, nesse contexto pandêmico, fazendo parte então do grupo de maior exposição ao Covid-19.
A pressão também deve ser feita para que as outras políticas de moradia, saneamento, segurança e saúde estejam em manutenção nas cidades pois o que caracteriza a pobreza e a miséria não somente diz respeito a renda como saída isolada, mas como parte de um todo, nesse sentido, a revogação da emenda constitucional 95/2016, do teto dos gastos, que restringe o investimentos com gastos públicos por 20 anos, precisa ser feita de forma urgente também.
Há um projeto fascista, racista e genocida em circulação pelo o governo Bolsonaro que se aproveita da pandemia para a aplicação de forma enfática da necropolítica, da legitimação do aumento dos casos de feminicídio e do uso da violência como destruição da classe trabalhadora, fazendo com que, nesse sentido, a exigência de uma renda básica permanente seja o primeiro passo para frear esse projeto em curso e ao próprio Bolsonaro.
Como disse Silvio de Almeida, no programa “Roda Viva”, nós estamos na esquina da história o ascenso de lutas das mulheres, da juventude e agora da negritude nos ensinam que não só a força dos agentes brutos do capital, mas nós mesmos somos a esperança para a construção de um mundo melhor.
Defendemos como pontos de programa:
– Renda Básica Permanente já
– Agilidade na análise dos pedidos e recursos do Auxílio Emergencial
– Defesa de equipamentos de trabalho e EPIs para assistentes sociais
– Fortalecimento do SUAS
– Fora Bolsonaro!