Contra a privatização da CEDAE
Contra as Falsas Promessas da Privatização e pela Garantia do Direito à Água para Todos
A crise da água no Rio de Janeiro segue se agravando ano após ano, com inúmeros moradores dos municípios abastecidos pela CEDAE recebendo em suas casas água mal cheirosa e com cor de barro, que em muitos casos causa enjoos e irritações na pele, enquanto para outros a água nem chega. No ano passado, foi detectada a presença de geosmina na água tratada pela CEDAE, causada pelo excesso de esgoto na Lagoa do Guandu, e o problema se repete esse ano. Nas favelas, a constante falta de abastecimento, mesmo durante uma pandemia, levou a diversas mobilizações de moradores. Para as mulheres, a sobrecarga do trabalho de cuidado se acirra sem acesso a àgua limpa já que é necessário ou buscar outra forma de acesso ou arriscar o mal estar da família – o que em muitos casos pode ser inevitável.
Essa crise sanitária é consequência direta da política neoliberal que assola o estado do Rio de Janeiro. O princípio neoliberal de redução de gastos estatais dificulta o investimento em infraestrutura e serviços públicos, que na prática atinge principalmente áreas de baixa renda, resultando na negligência histórica do Estado com saneamento na Baixada Fluminense. Esse déficit de saneamento é uma das duas grandes causas do excesso de poluição na Lagoa do Guandu; a segunda causa é o compromisso dos últimos governantes do estado com o setor privado, que dificulta a fiscalização e punição de indústrias que poluem os mananciais usados para abastecimento de água.
Além disso, a ânsia do neoliberalismo por privatizações leva à lógica do “precarizar para privatizar”, que vem sabotando o funcionamento da CEDAE e impede o reinvestimento dos seus lucros em saneamento básico. Isso é evidenciado na demissão de dezenas de engenheiros responsáveis pelo controle de qualidade da água em meio à crise hídrica em 2020. Essa onda de demissões foi ordem do então presidente da CEDAE, Hélio Cabral, ex-executivo da mineradora Samarco acusado pelo Ministério Público de homicídio com dolo eventual, por saber do risco de vazamento da barragem de Mariana e não fazer nada para evitar a tragédia que matou 19 pessoas em 2015. Hélio Cabral foi indicado por Pastor Everaldo (PSC), padrinho político do governador afastado Wilson Witzel (PSC), ambos os quais são a favor da privatização da CEDAE.
A privatização da CEDAE é o próximo passo da cartilha neoliberal que causou os problemas que estamos vivendo hoje. O objetivo do setor privado é capturar os lucros da empresa (só em 2019, a CEDAE teve mais de 1 bilhão de reais em lucro líquido), explorando um recurso que deveria ser direito básico. O regulamento da concessão que já foi aprovada na ALERJ dita que o Estado continuará responsável pela parte mais custosa do processo, e as empresas privadas poderão de maneira segmentada assumir a distribuição e coleta e tratamento de esgoto. Dessa forma, poderão cobrar cada vez mais caro pela água, aumentando ainda mais as desigualdades no acesso de algo tão básico para a vida. Além disso, não há garantia de melhora no serviço de tratamento de esgoto; pelo contrário, em vários lugares do mundo (como Paris, Califórnia, Bolívia, Índia, etc) há movimentos de desprivatização de serviços de saneamento básico porque a privatização levou à piora dos serviços em áreas de baixa renda, encarecimento da água e aprofundamento de desigualdades sócio-econômicas.
A solução definitiva para o problema de qualidade da água no Rio passa necessariamente pela adequação do saneamento básico na Baixada Fluminense a partir de grandes investimentos em sistemas de coleta e tratamento de esgoto. Enquanto esses sistemas não são finalizados, é necessário desviar e tratar a água dos Rios Ipiranga e Queimados (como foi feito no Rio Pinheiros em São Paulo). Além disso, é imprescindível que seja feita a fiscalização de despejos ilegais na Bacia do Guandu e a arrecadação das multas aos infratores deve ser revertida imediatamente como investimento em saneamento básico, assim como deve ser o lucro da CEDAE.
Para tornar essas soluções factíveis, é fundamental desmascarar a privatização como falsa solução e suspender o leilão da CEDAE, seja por processo jurídico ou legislativo. Além disso, é importante que seja estabelecido um portal de transparência onde a população possa acompanhar e fiscalizar o trabalho da CEDAE, contendo indicadores de qualidade da água no manancial de captação e saindo das estações de tratamento, reclamações da população sobre a qualidade da água, multas aplicadas e pagas por despejo irregular de esgoto de indústrias, cronograma de manutenção de equipamentos e de construção de novas estruturas. Uma CEDAE sob domínio público aliada à transparência e mobilização popular permitirá que os movimentos sociais pressionem o governo do estado para rejeitar a cartilha neoliberal e cumprir o seu papel de prover um saneamento básico; só assim finalmente teremos a garantia de água potável e de qualidade na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Fontes:
https://monitormercantil.com.br/privatizacao-da-cedae-sera-quase-toda-bancada-com-dinheiro-publico/
https://www.brasildefatorj.com.br/2020/01/22/falta-de-investimento-do-governo-na-cedae-pode-ser-responsavel-por-crise-hidrica
http://portalclubedeengenharia.org.br/2019/03/21/demissao-na-cedae-atinge-a-memoria-da-empresa/