A luta feminista nas universidades, nossos desafios e o EME 2023
Texto de Renata Moara, Juntas! Santarém, sobre os desafios de construir uma universidade feminista.
Feministas para além dos muros da universidade
A presença de mulheres nas universidades brasileiras vem crescendo a cada dia. Esse espaço que outrora existiu para negar ou dificultar nossa presença, hoje conta com 57% de mulheres, nas licenciaturas somos cerca de 71,3%, no bacharelado 54,9% e na áreas de saúde somos 72,1% (dados do Ibge). O aumento da presença feminina nos espaços acadêmicos é uma vitória coletiva, mas que ainda carece de mais. A entrada de mais mulheres negras, indígenas, quilombolas, Lbts, Pcds, é um de nossos desafios, além da garantia de acesso, a permanência dessas múltiplas mulheres na academia é central, o combate às violências no espaço universitário é urgente. Para isso precisamos avançar em politicas públicas e fortalecer os movimentos feministas dentro das universidades.
As mulheres compõe um campo dinâmico e importante da sociedade que está em constante movimento na defesa e ampliação de direitos, e na construção de um nova lógica de mundo. Se puxarmos a história recente do movimento feminista no Brasil, temos como marco a Primavera Feminista de 2015 que jogou luz aos debates feitos por mulheres e que deram frutos, ali se formou uma geração de mulheres que anos depois foram lideranças fundamentais na história dos movimentos sociais.
As ocupações das escolas e universidades em 2015 e 2016, a greve geral no 8 de março de 2017, o #EleNão em 2018, que foi imprescindível na luta contra Bolsonaro e que levou centenas de milhares às ruas e foi marco para organização da derrota e desgaste de Bolsonaro. Nas lutas em defesa da educação em 2019 com o Levante dos Livros, defesa das universidades, contra os cortes, se viam rostos das feministas liderando e organizando assembleias, piquetes, atos. As mulheres foram pedra no sapato de Bolsonaro e seus aliados durante os 4 anos de seu desgoverno, e nesse contexto as mulheres universitárias tiveram enorme importância.
Os desafios das mulheres para construir uma universidade feminista
As mulheres enfrentam muitas dificuldades no processo de ingresso na universidade e no percurso acadêmico. Sabemos que a construção patriarcal e capitalista da sociedade impôs à nós condições de exploração de nossa força de trabalho, de nossos corpos e de nossas vidas, e as mulheres não brancas ainda carregam o peso do racismo que atravessa todas essas explorações. Assim, as mulheres tem em sua jornada de vida diversos desafios, visto que muitas de nós vivem jornadas duplas, triplas de trabalho, conciliando emprego, estudos e família, já que somos maioria nas chefias de casa.
Essas condicionantes já afetam o ingresso de muitas mulheres às universidades, especialmente as mulheres da classe trabalhadora. E quando conseguimos derrubar essa barreira e a barreira do vestibular, nossos desafios seguem duros dentro das universidades. Não estamos livres de sofrer as mais diversas violências dentro da academia, sejam elas físicas, politicas ou institucionais.
Sobre os casos de violência e assédio nas universidades, o Data Popular em 2015 apontou que 67% das entrevistadas já sofreram algum tipo de violência praticada por um homem no ambiente universitário; 56% sofreram assedio sexual; 28% já sofreram violência sexual; 42% já sentiram medo de sofrer alguma violência no ambiente universitário e 36% já deixaram de fazer alguma atividade na universidade por medo de sofrer violência. Neste ano uma estudante foi estuprada e assassinada dentro de uma sala de aula na UFPI, um caso trágico e doloroso para o conjunto das mulheres, e que ainda passou por uma tentativa de criminalização do movimento estudantil, já que o caso aconteceu durante calourada. O movimento estudantil é composto e dirigido por diversas mulheres, a culpa nunca é da vitima e não pode ser terceirizada. #JustiçaPorJanaína.
Os dados são alarmantes e demonstram a urgência em termos politicas efetivas de combate ao assédio nas universidades, de investigação, punição, acolhimento e proteção das vitimas. O Coletivo Juntas e a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL) protocolaram em 2022 o PL 2825/2022 que estabelece diretrizes gerais para o combate à violência contra a mulher nas universidades. Uma articulação importante em defesa de nossas vidas.
A permanência das mulheres mães nas universidades é outro desafio, muitas estudantes acabam ficando “pelo meio do caminho”, pois grande parte das universidades não oferece condições para que essas mulheres sigam na academia conciliando os estudos e os cuidados com seus filhos, a creche universitária é uma luta histórica das mulheres na universidade, e precisa ganhar ainda mais fôlego. Creche universitária é política de assistência estudantil prioritária.
A implantação de cotas trans vem ganhando destaque nos debates do movimento estudantil e também deve ser uma bandeira de luta do movimento feminista. A expectativa de vida de trans, travestis, Nb, não ultrapassa os 30 anos, essa é uma politica urgente de garantia de acesso à educação para essa população. Além da necessidade de aprofundamento das politicas de acesso, permanência e não violência às mulheres LBTs em geral. Uma universidade feminista deve ser segura para todas nós.
Nossos desafios não são poucos, por isso, é imprescindível o fortalecimento do movimento estudantil e feminista no espaçouniversitário. A organização coletiva das mulheres muda a universidade. Nosso horizonte é a existência de uma Universidade Feminista.
O Encontro de Mulheres Estudantes da UNE e nossas caracterizações: Ainda é pouco. Queremos Mais!
O Encontro de Mulheres Estudantes da UNE (EME) é um espaço importante de organização das mulheres estudantes brasileiras, onde o objetivo deve ser a construção de diretrizes do movimento estudantil aliado aos movimentos feministas, e portanto deve ser assim construído e realizado. Contudo, o 10° EME não demonstra ter esse caráter.
Já tivemos EMEs históricos com a presença de mais de 7 mil mulheres debatendo politica e construindo uma entidade e uma universidade com a nossa cara, mas o processo de construção do 10° EME caminha para a realização do encontro muito aquém do tamanho e peso das mulheres estudantes. A falta de, ou pouco, diálogo e construção pela base da entidade (UNE) e base das universidades (Centros Acadêmicos, Diretórios, Coletivos) anuncia um encontro esvaziado em quantidade e em política; a disposição da programação nos apontam essas debilidades.
Não podemos construir um EME à qualquer custo, esse deve ser um espaço prioritário de construção do movimento estudantil e quem ocupa a cadeira de mulheres na entidade deve honrar essa camiseta feminista.
Nós queremos mais! Queremos um EME, uma UNE e uma universidade que debata com a seriedade necessária as pautas das mulheres, que essas sejam partes totalizantes na construção de um projeto de sociedade e universidade feito pelas mãos das debaixo.
Convidamos todas as estudantes brasileiras à construírem com o Coletivo Juntas e o Coletivo Juntos! um movimento estudantil conectado com o movimento feminista. Vem com a gente pro EME, e faça parte do nosso movimento rumo ao 59° Congresso da UNE. Por uma Universidade Feminista: AINDA É POUCO. EU QUERO É MAIS!