Turnê de Taylor Swift e o direito das mulheres ao lazer: uma reflexão inicial
Não é raro nos sentirmos culpadas quando estamos em espaços de lazer não ligado ao espaço de cuidado, ou intrafamiliar
A gente enfrenta o patriarcado como sistema, não como uma prática do cotidiano.
(FLORA apud BONALUME, 2022, p 3 )
Recentemente o Brasil foi palco para Shows da cantora Taylor Swift e não demorou muito para que a internet fosse tomada por comentários desqualificando os fãs, seus esforços para ver a artista e suas emoções relacionadas aos eventos.
Entre os adjetivos atribuídos ao público tinham destaque termos como histéricas, loucas, desequilibradas e sem cultura. Tal fenômeno se repetiu durante a apresentação do grupo Mexicano RBD. Contudo tal situação não se repete em outros eventos tais como Rock in Rio, Lollapalooza entre outros.
A pergunta a ser fazer então é: Qual a diferença entre esses eventos? Será que nos festivais as pessoas são mais contidas, mais racionais? Bom, leitor, não sei se você já teve a experiência de ir à um show de Rock, no Rock in Rio, mas eu posso te garantir que a plateia é tudo, menos contida. É só lembrar-se dos bate cabeças- onde adultos simplesmente, na emoção do momento de estarem no show dos seus artistas prediletos, chocam seus corpos uns contra os outros e, muitas vezes chegam a voltar para casa com partes do corpo mobilizadas. Então, qual o diferencial dos eventos? E a resposta é o público. Enquanto os dois primeiros são formados majoritariamente por mulheres e LGBQIAPQ+, os dois últimos possuem a fama de ser voltada ao público masculino.
E Por que nossos espaços de lazer são atacados e desqualificados? Simples, eles nos afastam do espaço de cuidado que a sociedade androcêntrica reserva a nós e, por isso, precisa ser contido.
Conforme demostra BONALUME, 2022:
Neste contexto, fica mantido o pressuposto de que a divisão de poderes entre os sexos não é uma questão natural, não está vinculada às capacidades físicas dos homens e das mulheres, e sim a processos sociais que se iniciam na infância, quando meninos e meninas recebem uma educação sexista. É a cultura reproduzindo os valores, costumes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar. Cumpre, então, perceber e analisar de onde vem essa cultura, como ela é determinada e reproduzida e quem a produz, e não a tratar como uma esfera abstrata, dada por si mesma, isolada das relações estruturais da sociedade e imutável.
Por isso, não é raro nos sentirmos culpadas quando estamos em espaços de lazer não ligado ao espaço de cuidado, ou intrafamiliar- que muitas vezes, com a roupagem de lazer, escondem um reflexo de cuidado- tais como festas de final de ano e aniversários, onde nos dedicamos aos preparativos, enquanto os homens se envolvem em processos de socialização com ir ao bar.
Beauvoir (2018, apud BONALUME, 2022, p 3) afirma que:
Culturalmente, as mulheres receberam (e ainda recebem) um tipo de educação que as faz acreditar que envolver-se em atividades políticas ou intelectuais, – ao que eu acrescentaria em determinadas atividades de lazer – ou considerar-se igual aos homens em direitos, significaria perder o sentimento de inferioridade que as valorizaria aos olhos da sociedade, ou seja, a feminilidade. A justificativa racional, que se tornou cultural e socialmente transmitida, é apoiada em questões que alegam que a mulher seja fisicamente mais fraca que o homem e que ela tenha a maternidade como tarefa suprema.
Então, não só nos sentimos culpadas, mas somos socializadas dentro dessa lógica e, quando nos atrevemos a escapar dela, mesmo que por algumas horas, somos atacadas para nos lembrar e reforçar que o lugar socialmente permitido a nós é do cuidado do outros, nunca de si. Essa verdade é tão assustadora que chegamos a ser responsabilizadas pelas violências que sofremos em espaços públicos, ou em decorrência de termos estado em processos de lazer. Não é difícil ouvirmos frases tais como: “Também estava fazendo o que essa hora na rua?”, “Ela provocou. Afinal, não é comportamento de uma mulher casada.”
Diante disso é preciso promover um processo de mudança social até que tenhamos um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres (Rosa Luxemburgo). E isso só será possível pela organização das mulheres para a superação desse modelo capitalista e patriarcal, que hoje tem como um dos seus pilares o controle dos nossos corpos e desejos.
Afinal, como já cantou Cindy Lauper:
I wanna be the one to walk in the Sun
Oh, girls, they wanna have fun
Oh, girls just wanna have
*Priscilla Bernardes é militante do Juntas São Paulo e membro da Coordenação Nacional do Juntas!
Referências:
BONALUME, C. R. Mulheres, lazer e família: atravessamentos. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 45, 2023.