Em Porto Alegre, marcha feminista toma as ruas mesmo com risco de chuva!
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Em Porto Alegre, marcha feminista toma as ruas mesmo com risco de chuva!

O que devia demandar mais pressa do poder público é a reconstrução dessas vidas e do estado do RS como um todo, mas não. De forma incompreensível, o que tramita com medida de urgência na Câmara dos Deputados é o PL 1904/2024.

Pollyana Karenina Dias Pereira 24 jun 2024, 10:01

“Ainda não acabou”. Essa frase ecoa nas falas, nas entrevistas, nas reportagens, nos noticiários, em todos os lugares. A impressão que fica é de que frases, quando muito repetidas, perdem o sentido em si, como quando cantarolamos uma música no nosso dia a dia sem prestar atenção na letra. Mas, infelizmente, essa é a realidade do Rio Grande do Sul. As águas voltaram para o Guaíba, falando especificamente de Porto Alegre, mas seus rastros ficaram e foi só o que ficou.

Agora, era chegado o momento de avaliarmos os estragos, planejar e reunirmos todas as forças e recursos a fim de buscar moradia digna pra uns, reconstrução para outros, mantendo as demandas imediatas que já vinham se impondo desde os primeiros dias. Mas “era”, no pretérito imperfeito mesmo, pois fomos atravessadas durante esse evento – que, por si só, foi fruto de descaso e falta de comprometimento do poder público – por outra barbárie deste mesmo poder público, apesar de em outro âmbito. Dizemos isto porque o que devia demandar mais pressa do poder público é a reconstrução dessas vidas e do estado do RS como um todo, mas não. De forma incompreensível, o que tramita com medida de urgência na Câmara dos Deputados é o PL 1904/2024.

Falamos da urgência, pois é importante destacarmos o tratamento de urgência que recebeu da câmara este projeto de lei. Porque, mesmo que nos afastássemos de tudo aquilo que lutamos e acreditamos para falar deste projeto de lei de maneira “cética”, percebemos que a urgência é domar corpos, evangelizar o Estado laico, punir ainda mais a parcela mais pobre e vulnerável da população. E usa-se o termo “ainda mais” porque, se o intuito fosse proibir o aborto, não há urgência, o aborto é crime no Brasil, está previsto no Código Penal vigente deste de 1940, de modo que, crime já é, o que temos atualmente no Brasil são três exceções a regra, que repito, de que, infelizmente, aborto é crime no Brasil.

O que ocorre é que, em meio a mais uma calamidade, a extrema direita se apressa para “passar a boiada”, em vez de se apressar em salvar vidas e restituir a dignidade do povo. Até ontem, quando ainda era novidade e rendia likes falar do RS, lembro de muito se falar da necessidade de abrigos separados para mulheres e crianças em razão de abusos que vinham ocorrendo nos espaços. Mas surge o questionamento, vinham ocorrendo ou as paredes que os encobriam foram derrubadas ou alagadas pela enchente? Esse questionamento é necessário quando um PL deste entra em pauta para “salvar a vida de crianças”, mas também 6 em cada 10 vítimas de estupro no Brasil tem até 13 anos, segundo o Anuário de Segurança, ou seja, a maior parcela de vítimas também é de crianças.

Então mais um questionamento se impõe, afinal, de que criança estamos falando? Se a nossa legislação (Estatuto da Criança e do Adolescente) trata como criança indivíduos até 12 anos? Qual a régua que estabelece quem é mais criança neste caso? Isto porque majoritariamente as vítimas de estupro são crianças, então, se esta é a justificativa, precisamos saber qual “criança” merece mais viver. Isso sem nem entrar na pauta de um corpo de 12/13 anos não estar preparados para gestar, de modo a trazer riscos a vida dessa criança.

Posto que a maioria da população, não só no Brasil como um todo, mas também dos residentes aqui do RS, é formada por mulheres e que, desta parcela, uma quantidade expressiva ainda exerce a liderança de suas famílias – também compostas por crianças – as quais foram severamente afetadas pela catástrofe ocorrida em nosso estado, não há adjetivo suficiente para caracterizar mais esse açoite a esta parcela expressiva da população neste momento. Despidas de tudo que possuíam e canalizando seu foco na reconstrução de suas vidas, a extrema direita aproveita para lhes arrancar, não só direitos (porque aborto não é legal no Brasil), como também penalizar severamente crianças e meninas, vítimas de estupro. Tal agressão é tão severa, que o projeto prevê que a pena máxima em abstrato seja maior para a vítima que interromper a gestação do que pra seu abusador.

E é em meio a todo esse apanhado de caos e novos alertas da Defesa Civil do RS, sobre chuvas fortes e risco de queda de granizo a partir de sábado (15/06/2024), com perigo de novos alagamentos, que nos vimos obrigadas a ir as ruas não só nos defender, como defender nossas crianças. Foram cerca de 3.000 (três mil) pessoas, massivamente mulheres, que, em meio a luta pela sobrevivência em seu cerne mais básico que as ruas da capital foram movimentadas por mulheres com palavras de ordem como “Criança não é mãe! Estuprador não é pai!”! Isso porque não iremos recuar, a lógica machista do estado capitalista não nos encontrará desatentas, mesmo diante de tamanha desumanidade – que o projeto por si só já reflete – de tentar nos impor esta bestialidade. Faremos nossas vozes serem ouvidas independente da adversidade.

É com essa revolta que convocamos as camaradas a retornarem às ruas de Porto Alegre no dia 20 de junho (quinta-feira), para reunirmos mais vozes ao nosso mote, como vem sendo feito por todo o país, a fim de que fique claro que não nos acovardaremos até que essa estupidez, símbolo de um retrocesso pautado em puro fundamentalismo, seja arquivado.


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