O programa protofascista em andamento
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O programa protofascista em andamento

O magistério e a escola no radar da extrema-direita e no discurso neutral da esquerda e do centro-esquerda.

Samara Morais 29 jul 2024, 15:25

Desde o governo Dilma, observamos um impulso do aparato hegemônico em perseguir a liberdade de cátedra, criminalizando o conhecimento crítico e desvalorizando os componentes curriculares que contribuem com uma compreensão social macro. Apontamos que tal situação fere a Constituição Federal de 1988 que garante a liberdade de expressão da atividade intelectual e científica, assim como também fere a Lei de Diretrizes e Base da Educação que evoca a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber.

A orientação à veracidade de informações é parte fundamental da função social da escola e perpassa qualquer situação política, seja ela do estado, do país e até mesmo do mundo. Nesse sentido, destacamos que nossa bandeira também é a da Educação, da educação 100% pública, gratuita e de qualidade. Para o JUNTAS, não existe democracia e nem existe avanço com professoras silenciadas! 

O coletivo JUNTAS entende que o magistério tem sido alvo de um desmonte, onde a cerne, parte de uma lógica de desvalorização docente e misoginia. Professoras estão adoecendo física e psiquicamente, pois ao invés de aulas de filosofia, sociologia e história, por exemplo, são obrigadas a lecionar sobre empreendedorismo e/ou inovação, para terem acesso a um salário no final do mês. 

Destacamos que o empreendedorismo espraiado para a classe trabalhadora parte de uma lógica de investimento e esforço, entretanto ele não responde à demanda dos trabalhadores que são impedidos de venderem suas mercadorias ou serviços nas ruas, assim como também não atende a gigante indústria de tecnologia, tendo em vista que anualmente esses conhecimentos (relacionados a inovação) tornam-se obsoletos.  Isto é, a educação não é somente sobre ser utilitarista para o capital no que tange a acumulação, mas sobre tornar a classe trabalhadora um aglomerado de subalternos, incapazes de se reconhecerem coletivamente e de lutarem por melhora nas suas condições objetivas de vida, uma verdadeira psicologização da vida social (ordem burguesa).

Dentre as situações observadas, temos o  PNE, o Plano Nacional de Educação de  2014 – 2024 , que se tratava de um plano de metas que deveriam ser cumpridas em dez anos, mas que de fato pouco cumpriu-se do que foi estabelecido e muito se mercantilizou. As pautas que necessitavam de uma agenda econômica alinhada às necessidades da escola pública, tornaram-se metas de precarização do trabalho, do currículo escolar e até da formação docente. 

Diversos são os municípios que passara a realizar o atendimento educacional especializado com estagiários de nível superior e até de nível médio, como Criciúma–SC que ao invés de Pedagogos especialistas em inclusão, psicopedagogia e psicomotricidade contrataram cerca de dois mil estagiários para o acompanhamento de crianças e adolescentes com deficiências na educação básica. 

Corroborando com a lógica de sucateamento para abertura de novas formas de atuação empresarial dentro da escola pública, temos a Base Nacional Comum Curricular, constituída a partir de slogans de qualidade e inclusão, mas que apresenta em sua essência um movimento de formação flexível as necessidades do capital. 

Todas as suas etapas da BNCC apresentam alinhamento com as orientações os organismos multilaterais, em especial do Banco Mundial e da Organização Internacional do Trabalho. Se de um lado temos o multiculturalismo pós-moderno de educação infantil que obscurece as fontes liberais não diretivas,  no Novo Ensino Médio – NEM, não é velada que a formação é voltada para a superexploração desse futuro trabalhador. 

Destacamos que o ensino médio foi marcado por muita luta, professores de todas as etapas e estudantes de todo o país sabiam que o projeto apresentado durante o governo golpista de Temer (2016-2017), por Mendonça Filho (Ministro da Educação do período), caminharia para uma formação descolada da real função social da escola pública. 

O NEM foi apresentado para a classe trabalhadora como uma formação sem viés ideológico, entretanto, enquanto diminuíam os componentes curriculares de humanas, era apontado via projeto de vida, formações voltadas para o atendimento da demanda empresarial local. No estado de Santa Catarina, por exemplo, é possível distinguir nos currículos do oeste para o litoral (em especial da sua capital), a quem se destina o trabalho físico e intelectual. Um propõe uma formação basicamente voltada para o extrativismo, enquanto nas margens com o mar é ofertada para a classe trabalhadora uma formação de caráter mais tecnológico (programações e a fins). 

Nesse emaranhado de problemáticas ainda é possível acompanharmos dirigentes municipais e estaduais da educação pública defendendo a contratação de oficineiros e professores sem formação pedagógica prévia, assim como diversas organizações privadas.  O notório saber que desvaloriza a categoria e que tem relação direta com o rebaixamento salarial e a extinção da formação pedagógica, tal qual conhecemos. 

Apontamos que em diversas regiões da Europa, em especial das governadas pela extrema-direita,  já é possível ter em escolas operadores de infância (técnicos), isto é, não precisa mais da formação pedagógica. No lugar das trabalhadoras especializadas entram as matrizes pré-prontas, a espontaneidade e a fluidez pós-moderna, uma grande recreação com atelieristas e cuidadores. 

No Brasil transfere-se bilhões para organizações ligadas ao TODOS PELA EDUCAÇÃO e ligadas ao MOVIMENTO PELA BASE, enquanto o cenário escolar apresenta salas lotadas, péssimas estruturas (físicas, elétrica e hidráulicas), ausência de reposição de trabalhadoras, trabalhadoras perseguidas, adoecidas,  contratações temporárias que impactam diretamente nos projetos escolares e em consequência na formação. 

Diante do exposto, apontamos que a qualidade do ensino perpassa pela relação de número de alunos em sala, pela climatização das salas, pela remuneração docente e por tantas outras questões, inclusive a ausência de condições nutricionais para estudar. Em todos os estados do Brasil, ainda hoje, é comum não ter papel higiênico para as crianças, não ter bibliotecas, não ter áreas verdes e muito menos recursos e espaços poliesportivos. Como a totalidade das condições espraiadas para a classe pode ser resolvida de modo tão superficial e descolado da esfera social!?

Em consonância ao que já foi exposto também evidenciamos a atuação de diversas organizações privadas nas periferias, nomes como: Itaú Social, Oi Futuro, Ayrton Senna, Gerando Falcões, Fundação Roberto Marinho e tantos outros se organizam em formações culturais (pró-trabalho) paralelas, inclusive cooptando importantes lutas. O próprio empreendedorismo feminismo tem sofrido uma captura da sua real função, vide o projeto ASMARA da Gerando Falcões. 

É importante destacarmos situações que apontam que o programa da direita tende a tornar o cenário da educação e da classe trabalhadora  ainda mais violento, ainda mais miserável e ainda mais adoecedor. Professoras impedidas de ofertarem uma leitura crítica da realidade não conseguem contribuir com uma formação psicossocial e cognitiva. 

Se de um lado somos silenciadas, tal como ocorreu em Florianópolis, com a Professora Carolina Puerto, afastada por ensinar sobre como reconhecer as fake news, por outro, acompanhamos o surgimento de diversas células neonazistas. Segundo estudos, de 2019 a 2021 o número de células cresceu 270,6%, o que é extremamente preocupante. Na liderança, está o Estado de Santa Catarina e São Paulo (SC em número por habilitante e SP por quantitativo absoluto).

O crescimento de um movimento político fascista é preocupante, mas sabemos que historicamente tem relação com a própria crise do capital. Para se naturalizar novas relações produtivas, ou melhor, novas transformações do trabalho  é constituído um aparato, que atua a partir de dois impulsos, força (física ou jurídica)  e consenso (naturalização das novas necessidades capitalistas).  Quando esses dois impulsos do capital observam dificuldade em sua implementação, surgem os golpes e a publicização de discursos protofascistas. 

Os discursos tendem a fomentar pensamentos predecessores de direitos, em grande ordem são discursos que fomentam ódio para com os mais vulneráveis e que respondem às mazelas sociais a partir de frases de efeito e sem qualquer relação com as condições sociais e econômicas da classe trabalhadora. 

Esse movimento de reforma moral e filosófica destituído da sua relação política e da percepção sociometabólica do capital tende a buscar a paramilitarização de camadas sociais mais vulneráveis, cooptando trabalhadores, em especial os mais jovens, para serem agentes de repressão, sejam eles ligados ao Estado ou não. 

Dessa relação nada apolítica do Estado, do empresariado e das forças produtivas com o magistério, com a escola, currículo e ensino nasce a falsa alternativa de militarização como garantia da qualidade da educação. 

A militarização fomenta a compreensão de uma vida escolar voltada para o medo e repressão, evidenciando nesse contexto o arquétipo do homem armado na liderança. Esse processo corrobora com a concepção paranoica, autoritária e caricata de anticomunismo, observadas nas falas sobre identidade de gênero, “raio gayzador” e de professores de história vilões. 

O cenário possível dentro desse apontamento capitalista é o de Trabalhadores da segurança pública, armados de pistolas e preconceitos, educandos crianças e adolescentes sobre a ótica do medo. Homogeneizando  a juventude que historicamente protagonizou diversas lutas. Nem mesmo brincos, cabelos coloridos, tênis sem cadarços, camisas de bandas, podem ser mais utilizadas. 

O movimento de supressão das individualidades torna-se um problema, pois fortalece as estruturas. Misoginia,  xenofobia,  racismo,  bullying em suas diversas formas são normalizados e em consequência amplia-se a violência contra os mais vulneráveis. Destacando que em especial as alunas cis e trans, que nesse contexto são duplamente oprimidas, sofrendo com o cotidiano de violência arraigado e  com a dificuldade de construir espaços de luta e permanência (silenciamento). 

Em Brasília observamos que escolas que possuíam os melhores índices foram militarizadas. Tal estratégia visa realizar uma “propaganda nacional”  de militarização como justificativa para melhorar o aprendizado ao mesmo tempo, em que amplia a desigualdade social, tendo em vista que os alunos que não apresentam resultados satisfatórios são orientados (direta ou indiretamente) a buscarem outras escolas. 

 A crescente participação da extrema-direita tem contado com uma “simpática normalização” dessa realidade, intelectuais, partidos e lideranças políticas de direita e do centro estão cada vez mais condescendestes com o discurso bolsonarista. Na maioria, traidores de classe, pessoas que consideram suas vitórias individuais uma régua de avaliação do outro e das suas condições objetivas, sem analisar dialeticamente seus avanços e privilégios. 

É na camaradagem deste aparato, somada a ausência de devidas punições, que absurdos surgem. Propostas de emendas e propostas de lei que  tentam ser encaminhadas e votadas em velocidades recordes e sem condições reais de debate. 

 Diante dessa pornográfica relação, somada aos impulsionamentos das redes sociais por palavras específicas/ assuntos aglutinadores do algorítimo (frames e reframes) que apontamos a necessidade de construirmos um movimento  de formação da classe trabalhadora, um programa capaz de contribuir com a reflexão acerca do esgotamento das ilusões da democracia neoliberal e das transformações das condições objetivas de vida, sejam elas relacionadas a antecipação do colapso ambiental, do fim do trabalho (assegurado), da alimentação e/ou como expomos da captura da subjetividade. 

 A defesa de pautas que ferem a constituição e que retroagem importantes posicionamentos, assim como inúmeras financeirizações, são somadas aos ataques aos professores, às universidades, às escolas, aos teóricos e a qualquer coisa que proponha uma alternativa para a sujeição/servidão absoluta. 

A extrema-direita tem um programa, esse programa esta em andamento e a segue com a pseudo neutralidade dos liberais, do agro e da igreja. Um espraiar permanente, em diferentes frentes de ataque, uma verdadeira revolução passiva por dentro do Estado. Uma ação que burocratiza punições e que fomenta permanentes ataques.  

No momento dessa escrita, cidades inteiras estão organizando frentes liberais e extremistas, importantes eleições municipais como Belo Horizonte, São Paulo e Florianópolis poderão ser geridas por privatistas, por extremistas que sucateiam a educação e por destruidores de importantes biomas. 

Topázio, atual prefeito de Florianópolis, é um desses nomes, o empresário vem abandonando cada vez mais o discurso neoliberal e assumindo posturas bolsonaristas, como com as políticas de regulamentação urbana que explora os trabalhadores mais vulneráveis enquanto elitiza partes da cidade para a iniciativa privada encher de condomínios. Sem mobilidade, sem emprego formal, sem tratamento de esgoto, sem reposição de efetivos nos trabalhadores da limpeza urbana, saúde e educação, acompanhamos a ilha da magia virar a ilha da contaminação e dos atacarejos (mercados atacadistas que vendem no varejo).

É preciso, portanto, organizar a luta, inicialmente nas campanhas municipais e em condições mais aprofundadas nos grêmios estudantis, centros acadêmicos, sindicatos e coletivos. 

É preciso desemparelhar a luta dos trabalhadores e em especial das trabalhadoras no governo federal e aproximar nossos debates com nossas camaradas latinas que também experienciam o extremismo. 

A ação coordenada que atua no currículo do magistério, no currículo escolar, na carreira docente, nas facilidades de transferência de verbas públicas para organizações privadas e organismos multilaterais cumpre um importante papel, silenciar a escola sobre o véu da imparcialidade e formar trabalhadores e trabalhadoras resilientes as demandas cada vez mais flexíveis da acumulação. 

Precisamos de todas, de todes e de todos, é chegada a hora de organização, formação e disputa.


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