Onde estão as mulheres venezuelanas?
O cenário de crise extrema na Venezuela afeta em especial as mulheres trabalhadoras, responsabilizadas pelo cuidado de toda a família e ainda mais suscetíveis a aceitar trabalhos de baixa remuneração.
A Venezuela vive uma crise política, social e econômica que se agravou desde a morte de Chávez e a ascensão de Maduro. Parte fundamental dessa crise se deve aos embargos econômicos impostos pelo imperialismo dos Estados Unidos, com sequestro de bens venezuelanos e restrição de comércio com outros países.
A crise se aprofunda, no entanto, pela priorização de Maduro na manutenção de privilégios à nova burguesia do país constituída pela burocracia formada em torno do novo regime e às tentativas (até agora malfadadas) de acordo entre esse setor burguês com o antigo, existente desde antes da revolução chavista. A antiga burguesia venezuelana prefere entregar de volta a soberania de seu país aos EUA.
A prioridade do regime de Maduro não é o povo, como bradam o próprio e algumas organizações de esquerda descomprometidas com a realidade do povo pobre na Venezuela. A revolução bolivariana perdeu sua faceta radical e tanto Maduro quanto a burguesia tradicional preferem negociar com os EUA, ao contrário do que diz a grande mídia e o próprio madurismo. Portanto, as considerações sobre a crise venezuelana não podem se dar de forma monolítica. Tanto o imperialismo estadunidense quanto a burocracia consolidada por Maduro na Venezuela são responsáveis pelo sofrimento das maiorias sociais.
Especialistas classificam a crise na Venezuela como humanitária e complexa, por se tratar de uma crise política de origem humana e que ocasiona na falta de medicamentos e alimentos. Junto do baixíssimo salário mínimo, que é de 130 bolívares (cerca de R$22), o povo se vê desesperançoso em relação ao futuro. Isso faz com que mais de 7 milhões de venezuelanos tenham migrado ou buscado refúgio em outros países – 25% de toda a população. Todas as famílias possuem algum ente fora do país.
Diante desse cenário, cabe refletirmos sobre a situação daqueles que, dentre a classe trabalhadora, mais sofrem com as crises geradas pelas burguesias nacional e internacional: as mulheres. O cenário de fome e pauperismo afeta em especial as mulheres trabalhadoras, responsabilizadas pelo cuidado de toda a família e ainda mais suscetíveis a aceitar trabalhos de baixa remuneração.
As taxas de violência doméstica na Venezuela são altíssimas, assim como no Brasil, mas a deterioração das instituições da democracia liberal (que no mínimo permite exigências políticas ao governo e organização política independente) gera um cenário ainda mais infértil para as lutas feministas. Além disso, Maduro se aproxima cada vez mais de setores fundamentalistas cristãos, em especial dos EUA e do Brasil, setores avessos aos direitos sexuais e reprodutivos.
O descomprometimento do governo Maduro é tamanho ao ponto de não existirem ações preventivas contra o feminicídio como crime. Não temos como esperar algo diferente de um presidente que, no dia 8 de março – uma data importante e que tanto diz sobre a luta das mulheres – afirmou que “as mulheres deveriam ter 6 filhos cada e aumentar a população do país”. Exergar úteros como máquinas de reproduzir operários é também uma realidade para o bolsonarismo que, com o PL 1904, queria que crianças vítimas de estupro fossem revitimizadas ao procurar pelo serviço de aborto legal.
Para as venezuelanas refugiadas, os problemas são ainda mais numerosos, a xenofobia e a exploração também estão sempre presentes. Segundo a Anistia Internacional, é comum que se submetam a trabalhos extremamente precários, onde são sexualmente assediadas e não encontram maneiras de denunciar os crimes.
A situação não apresenta expectativas de melhoras. A oposição de esquerda a Maduro foi colocada na clandestinidade, inclusive os setores que compunham o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O que sobra de oposição com expressão popular é uma extrema direita do pior tipo existente na América Latina. Tanto Maduro quanto a direita de María Corina Machado (representada nas últimas eleições por Edmundo González Urrutia) se negam a restaurar as liberdades democráticas liberais – como o direito à greve e à livre organização em partidos de esquerda. Negam-se também a discutir políticas sociais e condições para aumento salarial.
Mas, cabe também a reflexão sobre qual o tempo disponível para que as mulheres venezuelanas e trabalhadores de modo geral tenham para pensar na auto-organização, uma vez que com os baixíssimos salários, trabalhos precários, que no caso específico das mulheres soma-se a outros pontos já colocados neste texto, permitem que a subjugação ao modus operandi do capitalismo tome todas as horas.
Com a impossibilidade de auto-organização dos trabalhadores e perspectivas autoritárias independente de quem se mantenha no poder, continuaremos vendo trabalhadores venezuelanos vivendo em pauperismo e se submetendo a condições degradantes de trabalho, dentro e fora de seu país – especialmente no caso das mulheres.
A real vitória do povo venezuelano será a volta de seu povo ao seu país natal, suas casas e famílias. E, dessa vitória, a conciliação de classes não faz parte.