2025: um ano emblemático para as mulheres
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2025: um ano emblemático para as mulheres

Com coragem, organização e independência política, nos encontraremos nas lutas e nas ruas.

MUNDO EM EBULIÇÃO 

Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem. Essa frase, atribuída a Lenin, precisaria ser intensificada para descrever os eventos históricos entre 2015 e 2025: há séculos em que nada acontece, e há décadas em que um século inteiro se condensa. Para as mulheres, essas transformações foram marcadas por lutas globais que fortaleceram a consciência feminista e reivindicaram o direito sobre seus corpos, combatendo o feminicídio, as violências de gênero, o racismo e o avanço da extrema-direita. 

Esse período foi também marcado pela eclosão da Primavera Feminista, cujo ápice ocorreu entre 2015 e 2019, com denúncias contra o autoritarismo, a violência e os ataques aos direitos das mulheres no Brasil e no mundo. No entanto, essa mobilização foi interrompida pelo vírus biológico da Covid e pelo vírus político da desinformação e do obscurantismo, mergulhando-nos, em poucos anos, em uma nova idade das trevas. Em apenas uma década, a condição feminina no mundo passou por transformações profundas, comprovando que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam colocados em xeque — como alertou Simone de Beauvoir. No nosso caso, essa crise foi ainda agravada por uma emergência ecológica e sanitária sem precedentes.

Esta realidade distópica é marcada por um mundo em ebulição, fruto de uma crise profunda do capitalismo, que se manifesta na hiperexploração do trabalho, precarização da vida e na hiperconcentração de renda. Esse cenário cria condições para o crescimento de projetos autoritários e de oligarquias cada vez mais poderosas e influentes, que buscam consolidar seu domínio à medida que as estruturas democráticas se enfraquecem.

Dentro desse contexto, em meio a guerras entre Estados, ameaças nucleares e genocídios em curso — como o perpetrado pelo Estado de Israel contra o povo palestino, mesmo após o anúncio do cessar-fogo —, Donald Trump retorna ao poder no coração do capitalismo. Sua volta é marcada pela promessa de avanço de um “ultraliberalismo” e pela construção de uma suposta “Era de Ouro” do capitalismo, reforçando ainda mais a centralização de poder e recursos. Como bem definido por Israel Dutra no texto O Regresso de Trump

Estamos entrando numa nova fase, numa nova situação política que condiciona o conjunto da luta política no âmbito internacional. Trump chamou de regresso à “Era de Ouro” do capitalismo mundial. Podemos pensar que está mais para uma era de um tipo de “nacional-imperialismo”, que busca suprir pela violência opressiva a crise geral que vem indicando a decadência dos Estados Unidos. 

Sob esse argumento, Trump tomou posse ao lado de bilionários como Elon Musk, que se sentiu confortável para fazer uma saudação nazista durante a cerimônia de posse, e Mark Zuckerberg, que nas últimas semanas anunciou o fim das políticas de regulação nas redes Meta, ação que além de induzir um efeito cascata em outras redes sociais, ainda estimula a propagação de discursos de ódio e violência. 

Se a estética do governo Trump II evoca os piores regimes totalitários do último século, sua composição e os pacotes de medidas iniciais deixam claro que essa semelhança não é mera coincidência. O fascismo, frequentemente descrito como o botão de emergência do capitalismo, é acionado quando as contradições do sistema se tornam insustentáveis, exigindo medidas autoritárias para garantir sua sobrevivência. Donald Trump, em sua cruzada para “fazer a América grande novamente”, demonstra estar disposto a apertar esse botão, recorrendo ao autoritarismo, ao ultranacionalismo e à violência simbólica e concreta para reforçar hierarquias de poder e sustentar um modelo econômico desigual e excludente. Sua retórica criminosa e sua política imperialista, racista, xenófoba e misógina não apenas aprofunda as crises sociais e políticas, mas também evidencia a estratégia de construção de inimigos internos e externos, consolidando assim um ambiente de controle, repressão e exploração em nome da manutenção das elites no poder.

Por outro lado, a última década também foi marcada pela eclosão de movimentos sociais de resistência, muitos deles liderados por mulheres e pela negritude, com importantes episódios surgindo nos próprios Estados Unidos durante o primeiro governo Trump. Em 2017, a palavra “feminismo” foi eleita a palavra do ano pelo dicionário americano Merriam-Webster, após ter sido o termo mais buscado naquele ano. Nesse mesmo período, o movimento de mulheres organizou uma Greve Geral no dia 8 de março, acompanhada de uma grande Marcha das Mulheres em Washington, que denunciou as medidas misóginas e as tentativas de retirada de direitos sexuais e reprodutivos por parte de Trump. 

Ainda em 2017, o movimento #MeToo emergiu com força, ampliando o coro feminista contra aquele governo e ganhando repercussão mundial. Foi também na primeira gestão Trump, em 2020, que os protestos pela morte de George Floyd incendiaram as ruas, denunciando o racismo estrutural e fortalecendo a luta do Black Lives Matter. Esses movimentos ecoaram além das fronteiras americanas, influenciando profundamente o Brasil e se conectando ao nosso calendário de lutas na última década. 

Os desdobramentos dessa resistência certamente continuarão a reverberar, inspirando novas mobilizações por toda a América Latina. Como Angela Davis afirmou, a respeito da resistência necessária à Trump II:

Há muita coisa acontecendo no mundo além da posse de alguém que representa o fascismo nesse país e no mundo. E se nos lembrarmos da luta por justiça e igualdade, descobriremos que não existem momentos propícios para essas lutas. Nós sempre fomos confrontados por ondas de conservadorismo e enquanto não podemos criar as condições para as lutas que engajamos, podemos trazer a nossa determinação. Podemos trazer nossa visão de um futuro melhor. É necessário confrontar o descontentamento com esperança infinita. 

NO BRASIL

Em 2025 completa-se dez anos dos anos do levante feminista que fez do ano de 2015 memorável e de muita luta para as mulheres. Enquanto nossas “hermanas” Argentinas ocupavam as ruas com atos contra o feminicídio e por Nem Uma a Menos, no Brasil as mulheres ocuparam as ruas contra o racismo, na Marcha Mundial das Mulheres, e se mobilizaram de norte à sul em campanhas como #MeuPrimeiroAssédio #PílulaFicaCunhaSai, movimentos espontâneos que convocaram as mulheres em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos que estavam em ataque por quem era até então presidente da Câmara dos Deputados, o ex-deputado Eduardo Cunha. 

Com o Projeto de Lei 5069/2013, Cunha pretendia impedir o acesso ao aborto legal em todos os casos, o uso da pílula do dia seguinte e outros diversos retrocessos. E as mulheres, além de se mobilizarem em defesa do aborto legal e pela manutenção de direitos já adquiridos, construíam coletivamente a consciência de que era urgente barrar os retrocessos que estavam sendo fomentados pelas alas mais conservadoras e reacionárias. A Primavera Feminista teve como reflexo outras grandes mobilizações feministas, como a luta Criança Não É Mãe, e também o Ele Não, ainda em 2018, movimento fundamental que denunciou o bolsonarismo e os perigos daquele projeto, antes mesmo de sua tomada de poder.

Apesar do ascenso da Primavera Feminista, muitos retrocessos foram impostos às mulheres nos últimos anos. Sob o governo Bolsonaro, os direitos sexuais e reprodutivos entraram na mira da extrema-direita, e serviços importantíssimos para a garantia desses direitos passaram a ser atacados, sucateados e impedidos. Sem medidas eficientes de combate às violências, amargamos o crescimento de todos os tipos de violência contra as mulheres (feminicídio, violência psicológica, patrimonial e violência sexual), de acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em relação ao aumento de violência sexual, os dados indicam que uma mulher ou menina é estuprada no  Brasil a cada 6 minutos. E é diante desses dados que observamos um crescente ataque ao aborto legal no Brasil. 

Nos últimos anos, após a frente ampla eleger Lula contra o protofascismo bolsonarista que estava no poder, pouca coisa mudou em relação a este ataque aos direitos reprodutivos das mulheres. Como se não bastasse a extrema-direita estabelecendo cruzadas contra a vida das mulheres, o próprio governo Lula tem se mostrado pouco disposto a travar as batalhas necessárias para garantia dos nossos direitos sexuais e reprodutivos. 

Recentemente, o governo Lula orientou voto contrário em uma resolução importantíssima do CONANDA (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente), que detalhava os fluxos de atendimentos à crianças e adolescentes vitimas de estupro, tendo como objetivo garantir que essas pessoas conheçam os seus direitos, recebam acolhimento e atendimento humanizado da forma mais rápida possivel, e tenham autonomia de escolha. Vale ressaltar que, nesta orientação, o governo Lula se alinhou à ex-ministra bolsonarista e atual senadora Damares Alves. 

Apesar da vitória eleitoral contra Bolsonaro em 2022, o Brasil não foi imune à crise multifacetada que afetou as democracias neoliberais ao redor do mundo. Pelo contrário, o governo Lula III tem sido marcado por contradições profundas e uma grande dificuldade em se comunicar com o povo brasileiro. Recentemente, a crise em torno da nova regulamentação do Pix destacou ainda mais as limitações do governo. Em meio à troca no comando do Ministério das Comunicações, motivada por intensas críticas à gestão da comunicação, essas dificuldades se tornaram ainda mais evidentes, tanto na condução do anúncio da medida quanto na abordagem para enfrentar as fake news.

Embora realmente existam desafios na comunicação, o maior problema nessa situação é a ausência de um conteúdo claro a ser comunicado. O que o governo quer realmente dizer? Após vencer uma eleição contra um governo genocida, que precarizou a vida e negou a ciência, depois de expostos planos de assassinato contra o próprio Lula e depois de quatro anos de empobrecimento e retorno da fome, a população naturalmente esperava mais do que a constante reafirmação de que “o amor venceu”. O que foi entregue, no entanto, foi a redução do BPC, um teto para o crescimento do salário mínimo e pacotes de cortes de gastos para atender ao mercado. Mesmo a luta pelo fim da jornada de trabalho 6×1, defendida por parlamentares e sua base, não foi abraçada pelo governo, que optou por preservar sua posição para evitar atritos com a burguesia.

Essa equação é trágica e ainda piora: enquanto o governo de esquerda se esquiva de soluções econômicas e políticas com impacto significativo para a melhoria de vida da população — como a redução da jornada de trabalho, a taxação de grandes heranças e fortunas, ou a fiscalização de grandes sonegadores — a extrema-direita aposta em desinformação, discursos de ódio e na mobilização oportunista de lutas sociais.

Essas são, infelizmente, as consequências da manutenção de um governo neoliberal refém do Centrão e das elites. Enquanto o governo continuar atendendo aos interesses dessa minoria econômica, a maioria das famílias brasileiras continuará a sentir o peso da crise e do endividamento, com as mulheres, sem dúvida, sendo as principais afetadas. Afinal, são elas que carregam a responsabilidade pelo cuidado e pela manutenção do trabalho reprodutivo, cada vez mais inviabilizado pela situação econômica do Brasil.

Diante disso, cabe ao movimento feminista, assim como aos demais movimentos sociais, se posicionar com firmeza diante dos desafios impostos por este cenário de instabilidade política, especialmente na luta contra o bolsonarismo e sua herança maldita, que segue viva e busca sobrevida, agora também com a vitória de Trump nos Estados Unidos. A postura indiferente e contraditória do governo Lula frente aos retrocessos nos direitos sexuais e reprodutivos — especialmente em um momento em que deveria buscar reverter os danos causados pelas políticas reacionárias de Bolsonaro — revela a necessidade histórica de que o movimento feminista continue pautando suas bandeiras com coragem e independência. 

2025 É ANO DE LUTA

O ano de 2025 será marcado por intensas mobilizações e pela necessidade de uma resistência firme diante dos desafios que se impõem. Seguiremos acompanhando os desdobramentos da resistência a Trump II, em especial no primeiro 8 de março sob nova gestão estadunidense. Este cenário nos convoca a intensificar a nossa luta, levando-a com força e energia para as ruas do Brasil no Dia Internacional das Mulheres. 

Ainda este ano, Belém sediará um dos maiores eventos ambientais do mundo: a COP 30, um palco crucial para a discussão sobre o futuro do planeta e a luta contra as mudanças climáticas. Este evento já começou, com a forte resistência dos povos indígenas contra os desmontes na educação promovidos pelo governador do Pará, Helder Barbalho. Essa movimentação nos indica que haverá muita luta na COP, apesar dos esforços da família Barbalho em fazer um evento fechado para os movimentos sociais. 

Em Brasília, as mulheres negras estarão nas ruas, celebrando os 10 anos da Marcha das Mulheres Negras, reforçando o poder e a importância da nossa luta histórica por direitos, dignidade e contra o racismo. Outras mobilizações também surgirão, à medida que a conjuntura política e social se agrava, nos convocando para a ação urgente. A resistência será necessária, pois o futuro que nos espera será moldado por nossos esforços agora.

Neste 8M e ao longo do ano, a nossa voz será mais forte do que nunca. Com coragem, organização e independência política, nos encontraremos nas lutas e nas ruas. Diante do absurdo paradoxal da “realidade distópica” que atravessamos, que possamos apresentar a nossa “utopia possível”, uma utopia que se constroi na ação, na solidariedade e na força coletiva.


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