Mulheres Vivas!
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Mulheres Vivas!

É necessário orçamento, educação e políticas públicas para combater a violência contra a mulher

Tão antiga quanto o patriarcado é a história da luta das mulheres por uma vida sem violência. O ano ainda nem terminou e o Brasil já ultrapassou a marca de mil feminicídios. Só a capital de São Paulo, até outubro, registrou 53 casos – o maior número da série histórica iniciada em 2015. O aumento da violência contra a mulher nos últimos anos é alarmante e os casos mais recentes acenderam o debate sobre a urgência de estratégias de prevenção num tempo em que a sociedade normaliza a violência e a misoginia. As redes sociais têm um papel fundamental neste ciclo de ódio contra as mulheres, onde homens ganham dinheiro e visibilidade com discursos que reforçam estereótipos de submissão e dependência das mulheres, e acabam influenciando o comportamento no mundo real.

O desmonte das políticas públicas agrava e aprofunda a situação, porque o neoliberalismo não corta apenas a verba, ele destrói os mecanismos de proteção. O fechamento de casas-abrigo, o esvaziamento de delegacias das mulheres, a falta de orçamento para programas de prevenção nos mostra a lógica de governos como o de Tarcísio de Freitas, que destinou apenas dez reais ao combate à violência contra a mulher, ou de Leite, no RS, que destinou 0,02% à secretaria de mulheres, tudo em meio a uma onda crescente de feminicídios. O recado é claro: a proteção das mulheres não é uma prioridade, e como já alertava Saffioti, o patriarcado se fortalece quando o Estado se omite. Assim, quando o Estado brasileiro não criminaliza os discursos de ódio contra as mulheres em redes sociais e não enfrenta a combinação da desigualdade econômica, racismo estrutural e violência patriarcal, ele se torna conivente com esse cenário.

A normalização da violência somada à ineficácia da rede de proteção do Estado cria um terreno propício para a escalada do ciclo de violência contra a mulher. Quando denúncias são ignoradas e as políticas vigentes falham em proteger, o feminicídio segue sendo a trágica consequência de um projeto de negligência. E embora todas as mulheres estejam expostas ao risco, as mulheres negras seguem como as principais vítimas, representando quase 70% dos casos no país. A violência contra a mulher não respeita idade, classe ou território, mas os atravessamentos da classe e da raça organizam quem morre mais, quem denuncia menos, quem tem menos proteção e quem o Estado escolhe abandonar.

O modo como cada mulher é impactada depende da combinação entre gênero, raça e classe. É aqui que Heleieth Saffioti é fundamental: a violência contra as mulheres não pode ser compreendida fora da articulação entre patriarcado, racismo e capitalismo. Esses três sistemas atuam juntos, produzindo hierarquias entre as próprias mulheres. Assim, enquanto a violência é uma ameaça constante para todas, ela se intensifica brutalmente sobre as mulheres negras, pobres e periféricas, que vivem na linha de frente da negligência estatal. Lélia Gonzalez nos lembra que o Brasil opera um “racismo por denegação”, que finge não ser racista, mas organiza a sociedade de forma racializada, naturalizando o sofrimento da mulher negra. Essa negação estruturada transforma a violência em um problema individual, doméstico, privado, quando na verdade ela é estrutural e profundamente racializada.

Além disso, a intensificação da crise climática, enchentes como as do Rio Grande do Sul, queimadas na Amazônia, contaminação de rios, avanço predatório do agronegócio, garimpo e grandes obras que desestruturam territórios, impacta de forma desproporcional as mulheres, especialmente as mulheres periféricas, indígenas e quilombolas. Quando seus territórios são destruídos, elas perdem renda, autonomia e redes de apoio, ficando ainda mais vulneráveis à violência doméstica, sexual e política. 

Por isso, falar de violência contra a mulher também significa discutir racismo ambiental, soberania dos territórios e modelo de desenvolvimento. A destruição da Amazônia, a privatização dos rios, os megaprojetos energéticos e a lógica extrativista que violam comunidades também violam mulheres — porque atingem seus corpos, seus espaços de cuidado e suas formas de organização comunitária.

A violência política contra mulheres, especialmente mulheres negras, indígenas, LGBTQIA+ e liderança territorial também cresce. Muitas são silenciadas, perseguidas e criminalizadas por defender seus povos, suas florestas e suas vidas. O patriarcado institucional se manifesta no assédio, na intimidação e na tentativa de expulsá-las da esfera pública. Enquanto não garantirmos segurança e legitimidade para que essas mulheres liderem, continuaremos reproduzindo a lógica das estruturas que as violentam.

Neste final de semana, mulheres e movimentos de todo o Brasil tomam as ruas para dizer basta à violência que tenta nos calar e nos desumaniza É tempo de resistência coletiva. É tempo de fazer o Estado nos ouvir. Participe dos atos e fortaleça essa luta. 

Pois, Saffioti e Lélia Gonzalez já nos ensinaram: enfrentar a violência contra as mulheres exige transformar o sistema como um todo, o patriarcado que nos violenta, o racismo que hierarquiza nossas vidas e o capitalismo que lucra com nossa vulnerabilidade. Enquanto isso não mudar, continuaremos denunciando, organizando e lutando para que todas, absolutamente todas, possam viver.


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