“Novo RG” e a transfobia institucional no Governo Lula
O Brasil é o país em que mais se mata pessoas trans e travestis no mundo e colocar essas pessoas em situação vexatória só favorece a reprodução de ainda mais violências
Desde a publicação do Decreto 10.977 de 23 de fevereiro de 2022, estabeleceu-se um debate fundamental sobre o direito à privacidade de travestis, pessoas trans e demais dissidências de gênero. O referido decreto versa sobre a nova Carteira de Identidade Nacional (CIN), que substituirá os antigos Registros Gerais (RG), de emissão estadual. A modernização do sistema de identificação civil, no entanto, trouxe um “jabuti”: a inclusão de uma informação até então não aparente no RG, o campo “sexo”. Junto a isso, veio a submissão do campo “nome social”, quando solicitado pela pessoa, a um local de menor destaque em relação ao “nome”.
No RG, o “nome” e o “nome social” apareciam em páginas diferentes do documento. O “nome morto”, aquele com que não nos identificamos, aparecia no verso, em menor destaque, de forma que não gerasse constrangimento para a pessoa que usasse nome social. E o campo “sexo” simplesmente não existia no documento físico ou digital. Afinal, qual a necessidade de se saber essa informação no momento de se identificar? Só o que se precisa saber no momento de identificação de uma pessoa é qual o nome e os pronomes que devemos utilizar para se referir a ela de forma respeitosa, além do número de identificação, que agora será somente o CPF. Sexo, se estivermos falando de características como cromossomos, gônadas e índices hormonais, deveria ser uma informação para profissionais de saúde e só quando se fizer necessário.
Diante da pressão do movimento social organizado, notadamente a Associação Nacional de Travestis e Transexuais e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), e de nota técnica emitida pelo Ministério Público Federal se posicionando pela alteração do layout da nova CIN, o Governo Lula assumiu, em maio, o compromisso de retirar os campos “nome” e “sexo” dos documentos físico e digital. Qual foi a surpresa, então, de um novo decreto, o 11.797 de 27 novembro de 2023, em que o compromisso foi desconsiderado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
O Brasil é o país em que mais se mata pessoas trans e travestis em todo o mundo. Colocar essas pessoas em situação vexatória, fazendo com que o próprio documento as exponha, só favorece a reprodução de ainda mais violências, porque nem todas nós, pessoas trans/travestis e demais dissidentes de gênero, temos condições financeiras e conhecimento da burocracia necessária para fazer a retificação do registro civil. Além disso, nem todas nós queremos fazer a retificação registral.
A transfobia e o binarismo por parte de um governo como o de Bolsonaro são nada mais do que o esperado. O Governo Lula, por sua vez, não se prestará nem a nos garantir o básico? Nem o direito à privacidade, ao reconhecimento de nossas identidades? O que se dirá, então, da necessidade de políticas afirmativas, como cotas em universidades e no funcionalismo público e um programa que combata a violência de gênero, raça e sexualidade nas escolas públicas?
Nós do Juntas! estivemos na campanha pela derrota de Bolsonaro, que se daria com a eleição de Lula em 2022. Fomos às ruas, debatemos com a população e enfrentamos a violência fascista. Não cederemos às pressões conservadoras e neoliberais como faz Lula. É preciso enfrentar a transfobia e todas as demais opressões, cotidianamente, para que a extrema-direita não encontre mais terreno fértil para suas ideias odiosas e políticas de supressão das diversidades. Lula, respeite as nossas identidades! Respeite nossas vidas!