Mulheres na linha de frente do resgate de acervos do Museu Nacional
Há quase dois anos do incêndio, vemos uma grande dedicação da equipe do resgate de acervos em recuperar peças e materiais tão valiosos. E as mulheres são protagonistas dessa nova história do Museu que está sendo reconstruída.
Em setembro de 2018, o Brasil foi surpreendido com uma das maiores tragédias da ciência e da cultura do país. O Museu Nacional, instituição bicentenária vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi vítima de um brutal incêndio que destruiu boa parte do palácio localizado na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão.
O incêndio foi devastador e assolou tanto os profissionais do Museu Nacional, quanto a população que frequentava a instituição. Em grande medida, serviu para ilustrar — de maneira extremamente trágica — o descaso existente em relação à educação, à ciência e à cultura no país. No entanto, hoje, no aniversário de 202 anos do Museu Nacional e há quase dois anos do incêndio, vemos uma grande dedicação da equipe do resgate de acervos em recuperar peças e materiais tão valiosos. E as mulheres são protagonistas dessa nova história do Museu que está sendo reconstruída.
A equipe de resgate de acervos do Museu Nacional talvez simbolize um movimento ascendente nos últimos anos. De um lado, reitera a importância da ciência e valoriza o trabalho cauteloso dos pesquisadores em mapear, recuperar e restaurar peças de um acervo tão importante. Tal trabalho, em meio à pandemia de Covid-19, pontua mais uma vez para o lado da ciência. Lado este que o atual presidente, Jair Bolsonaro, vem se negando a prestar devido valor.
Por outro lado, a equipe de resgate também expõe uma das grandes conquistas do feminismo: a ascensão e a inserção de mulheres na ciência. Em um grupo composto por 57 funcionários e três colaboradores, a maioria é feminina. E não satisfeitas, são também mulheres aquelas na linha de frente: Cláudia Carvalho e Luciana Carvalho são, respectivamente, coordenadora e vice-coordenadora da equipe de resgate.
A incrível representatividade feminina no grupo contraria o prognóstico de que atividades como o resgate de acervos — que envolve grande esforço físico — não são espaços a serem ocupados por mulheres. Além de demonstrarem que possuem um passado atlético, as profissionais são também pesquisadoras nas áreas de Arqueologia, Paleontologia, Geologia, Botânica, Zoologia, entre outras áreas ainda predominantemente ocupadas por homens.
De maneira geral, o ambiente acadêmico tende a ser hostil e desequilibrado em relação à presença feminina. Para se ter uma ideia, mulheres representam 40% dos estudos nas áreas de Linguística e Biológicas e apenas 25% na área de Exatas, conforme indicou o relatório publicado em 2017 pela consultoria holandesa Elsevier, que analisou mais de 5,5 milhões de estudos.
São diversos os motivos que afastam as mulheres da carreira acadêmica. Entre eles, se destaca a maternidade e à falta de políticas públicas compensatórias em relação à ela. Muitas vezes, mulheres entram em desvantagem porque alguns editais levam em conta o tempo de dedicação constante em uma pesquisa, desconsiderando a licença-maternidade e as tarefas de cuidado que, majoritariamente, recaem sobre às mães.
Por isso, o Museu Nacional não poupa esforços não apenas em servir de exemplo às futuras cientistas, mas também em incentivá-las diretamente. É o caso do curso Meninas Com Ciência, que introduz meninas de 11 a 15 anos no universo da Geologia e da Paleontologia.
Após o 2 de setembro de 2018, muitas pessoas permaneceram com a imagem do Museu destruído na memória. No entanto, a equipe de resgate tem surpreendido com as conquistas: até agora já foram recuperadas ao menos 1500 peças do acervo. Dentre elas, o crânio de Luzia, o esqueleto humano mais antigo já encontrado no Brasil, datado de 11, 5 mil anos atrás.
O novo capítulo que o Museu Nacional inaugura após o incêndio também abre portas para novas produções científicas que surgem a partir do resgate de acervos. A instituição permanece com suas atividades de ensino, pesquisa e extensão (agora suspensas devido à pandemia de Covid-19) e caminha, passo a passo, a um novo recomeço. Essa reconstrução após tragédia deve-se, em grande parte, à dedicação dos profissionais do Museu Nacional, como bem expôs a paleontóloga e vice-coordenadora do resgate, Luciana Carvalho:
“O Museu é muito maior que isso: é feito de gente que trabalha todos os dias, da nossa produção intelectual, das atividades de extensão que permanecem acontecendo. Por isso, eu fiz essa escolha de continuar acreditando e seguir em frente. E deu certo.”