Mulheres e EAD
O debate sobre ensino remoto tem avançado nas universidades públicas, como garantir que as mulheres não fiquem para trás?
Desde o início de março deste ano vivemos um período crítico no mundo inteiro com a declaração da pandemia do novo coronavírus. Com a crise sanitária iniciada pela COVID-19 e agravada pelo negacionismo e irresponsabilidade de Bolsonaro, a educação tem tomado o centro do debate político, desde a necessidade do adiamento do ENEM às propostas de ensino remoto nas universidades brasileiras.
Nas últimas semanas o debate sobre a implementação do ensino remoto nas universidades tem avançado de uma forma preocupante. Muitos gestores tem buscado resolver a continuidade do semestre com substituição das aulas presenciais para aulas remotas, sem que haja debate entre os estudantes e sem que sejam ouvidas as propostas de condições mínimas para que o ensino remoto possa ser considerado. Esse avanço do, precário, ensino remoto é ainda mais grave quando falamos das universidades privadas, pois já é realidade em uma grande parcela, já que representam um modelo que tem como único objetivo o lucro em detrimento da qualidade de ensino ofertado.
O projeto desse governo genocida nós já conhecemos bem: retirar nossos direitos, retrocedendo os passos dados rumo à democratização da educação e desmontar a saúde publica. Em consonância com a atuação do MEC na insistência de que as reitorias imponham o ensino remoto (um “EAD precarizado”), tem também a pressão de grandes empresas que prometem soluções tecnológicas para esse ensino, e não garantem planejamento pedagógico, o que desqualifica a formação dos que tiverem acesso e ainda deixa para trás aqueles que não possuem as condições mínimas para o estudo remoto.
Por isso, defendemos que qualquer debate acerca do ensino remoto deve levar em consideração as condições especificas de cada estudante, desde as questões mais relativas ao acesso aos serviços básicos como saúde e saneamento básico às desigualdades regionais, de classe, gênero e raça. Sem que deixe ninguém para trás.
Se o ensino remoto em si já escancara diversas desigualdades, ao pensarmos na situação das mulheres, em especial as negras e periféricas, a situação se agrava ainda mais.
As mulheres sofrem com a jornada dupla e até tripla de trabalho, isso significa que além do trabalho assalariado, precisam cuidar do ambiente doméstico e/ou de seus filhos. No contexto da pandemia, considerando as que conseguem fazer o isolamento social, há o aumento do tempo gasto com tarefas domésticas, com o cuidado de filhos, idosos e etc, além do home office. Fatores esses que afetam tanto as estudantes quanto às trabalhadoras da educação que são a maioria até o ensino médio e parte considerável do ensino superior.
As mais pobres, em sua maioria negra, tem que lidar também com o estresse de arriscarem suas vidas para trabalhar ou encarar a fome e outras necessidades pela falta de emprego e de renda e pela dificuldade de acesso ao auxílio emergencial, principalmente as mães solo. Em muitas periferias, apesar da pandemia, ainda precisam conviver com as ações policiais violentas que colocam suas vidas e a de pessoas próximas em risco. Nesse sentido, as chances de evasão aumentam pela falta de perspectiva de conseguir terminar o curso, seja pelo ritmo exigido ou no caso de universidades privadas que para além disso, pressionam mais as alunas bolsistas para ter um alto desempenho constantemente e dificilmente reduzem as mensalidades. Essa evasão coopera para uma maior elitização e embranquecimento das universidades.
Com essa realidade, as estudantes e trabalhadoras mães com filhos que tiveram seu estudo deslocado para o ensino remoto, serão mais cobradas para o acompanhamento e manutenção dessas atividades, ficando assim mais sobrecarregadas. Inclusive muitas mães além de não conseguirem bancar as condições de estudo não possuem preparação pedagógica para acompanhar as atividades e não conseguem ajudar seus filhos nas tarefas.
Como se dedicar ao ensino remoto nessas condições?
São muitos os impactos negativos do ensino remoto na vida das mulheres e qualquer debate sobre sua implementação deve levar em consideração as condições mínimas e essas condições precisam incluir as especificidades das mulheres. Nos últimos tempos, o movimento estudantil tem tido grandes vitórias como a campanha bem sucedida pelo adiamento do ENEM e a participação na saída do Weintraub do Ministério da Educação, nessa luta as mulheres estiveram à frente assim como em diversas mobilizações no país e no mundo. A luta pela democratização do ensino, pelas suas condições mínimas de funcionamento, é uma luta das mulheres, pois estão entre as mais afetadas. Nenhuma estudante pode ficar pra trás!