30 anos do ECA e a luta antirracista
Nos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, Patrícia Felix debate o caminho para uma educação antirracista.
Neste 13 de julho, em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos em vigor, os desafios para o seu cumprimento ainda são muitos, principalmente quando se tratam das crianças negras e periféricas, que têm seus direitos fundamentais constantemente violados.
E o principal obstáculo ao cumprimento do ECA é o próprio Estado, maior agente violador, na medida em que não garante, por exemplo, o direito de todas as crianças e adolescentes à educação, conforme determina o artigo 53 do Estatuto e também a Constituição Federal.
As favelas e periferias estão cheias de crianças e adolescentes pobres, a maioria negros, privados de seu direito à educação ou frequentando escolas públicas sucateadas, em que muitas vezes as paredes são perfuradas por tiros e o calendário escolar é comprometido por violentas operações policiais que, frequentemente, destroem as vidas desses estudantes, de seus amigos e familiares. Além disso, faltam materiais, merenda, infraestrutura, condições dignas de trabalho para os profissionais.
Por isso, em meio às nossas desigualdades históricas e enormes retrocessos nos últimos anos, sobretudo sob o governo atual, a luta pela igualdade de oportunidades e contra a privatização da educação é, na essência, também uma luta antirracista.
A luta em 2019 foi grande, nas ruas, contra os diversos ataques do governo Bolsonaro à educação pública, seus cortes brutais no orçamento das universidades e tentativas de pôr fim à política de cotas raciais que possibilitou que diversas famílias negras tivessem, pela primeira vez, filhos no ensino superior.
Outra mobilização importante pelo direito à educação foi a que vivemos recentemente, diante da decisão do governo de manter a data da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, ignorando a impossibilidade dos milhares de estudantes de escolas públicas se prepararem durante a pandemia de Covid-19, período em que as aulas foram suspensas.
Em mais uma demonstração clara de sua política elitista, o governo desejava prestigiar os estudantes de escolas privadas, que puderam continuar estudando durante o isolamento social, com acesso a plataformas de ensino à distância, computadores e internet de banda larga em casa. Enquanto isso, os milhares de estudantes que não contam com toda essa infraestrutura para estudar durante a pandemia, e que muitas vezes dependem da escola até para fazer uma refeição no dia, ficariam à margem do processo de seleção que é o principal meio de acesso ao ensino superior no país, resultando, mais uma vez, na exclusão de pobres e negros das universidades.
Graças à mobilização de estudantes e profissionais da educação de todo o país, com apoio de enorme parcela da sociedade civil, o Enem foi adiado. Essa luta, que é pelo direito à educação e redução da igualdade de oportunidades, conforme preconiza o ECA, precisa ser também a luta pela garantia de todos os outros direitos que estão nesse documento tão fundamental para a sociedade e ainda tão ignorado, apesar de suas três décadas de existência.
Sua publicação foi uma conquista histórica e é dever de toda sociedade a luta pelo seu cumprimento. Que a data de hoje ajude a dar visibilidade a essa necessidade, levando a uma tomada de consciência sobre a responsabilidade coletiva sobre a garantia de direitos das nossas crianças vê adolescentes.
Viva o ECA! Viva a luta por uma infância sem racismo, por uma sociedade mais justa e igualitária!