Racismo e heteropatriarcado: Os aspectos socioculturais que refletem na violação de direitos das mulheres indígenas e negras
Reflexões sobre a violação de direitos das mulheres negras e indígenas para o Julho das Pretas.
Racismo e Patriarcado, questão social no Brasil.
O racismo é parte estruturante da sociedade, 132 anos da falsa abolição da escravidão, e o Estado mantém o modus operanti violento contra corpos negros e indígenas, que desde 1500 sofrem com o genocídio e etnocidio, a escravidão dos índios e negros mostra como a nossa estrutura de sociedade foi erguida.
O modelo capitalista se sustenta do trabalho e da força de mulheres e homens que foram submetidas à escravidão, muito do que foi feito ou discutido sobre a formação de Brasil, se dá principalmente pela violação e exploração dos povos que aqui habitavam desde 1500 e do tráfico do povo negro arrancados do continente africano e trazidos a força para cá.
São essas populações que hoje ocupam a margem da sociedade, a auto-organização das mulheres indígenas e negras revela que, não há um projeto de sociedade sem que pense uma política antirracista e anticapitalista contra a política anti-povo que nos é imposta. Apesar de estarmos presenciando um grande avanço do conservadorismo no mundo, com as políticas neoliberais contra a classe trabalhadora, as ceitas protofascistas; a luta e organização das mulheres indígenas e negras aponta para o horizonte, para uma política que seja para as/os 99%.
Segundo dados o atlas da violência, o número de homicídios contra mulheres negras cresceu mais 60% em uma década. O racismo, ainda vigente na sociedade, é reflexo do período colonial escravista brasileiro, que hoje está presente não só na questão econômica, mas também social cultural e política do Brasil.
[…] o patriarcalismo estabeleceu-se no Brasil como uma estratégia da colonização portuguesa. As bases institucionais dessa dominação são o grupo doméstico rural e o regime da escravidão. A estratégia patriarcal consiste em uma política de população de um espaço territorial de grandes dimensões, com carência de povoadores de mão de obra para gerar riquezas. A dominação se exerce com homens utilizando sua sexualidade como recurso para aumentar a população escrava. (AGUIAR, 2000, p. 308).
Segundo (Saffioti, 2013, p. 207) a “utilização da força de trabalho escravizadas nas colônias constituía o meio adequado a fim de se levar avante o processo da acumulação originária”, a força de trabalho exercido através do trabalho escravo de mulheres indígenas e negras foi imprescindível para a consolidação do sistema capitalista. Ribeiro (1995, p. 48) sobre o período colonial no Brasil, as mulheres negras e indígenas eram vistas como “de sexo bom pra fornicar, de braço bom de trabalhar, de ventre fecundo para prenhar”.
Além de serem forçadas ao trabalho escravo, mulheres indígenas e negras sofriam estupros. O mito da miscigenação carrega todo o peso de um período escravocrata, esse é um dos pilares que sustentam a estruturas do racismo, sexismo e do patriarcado, “o estupro, na verdade, era uma expressão ostensiva do domínio econômico do proprietário e do controle do feitor sobre as mulheres negras e [indígenas] na condição de trabalhadoras” (Davis, 2016, p. 20).
Criação de leis, e a luta pelo direito a vida. Os limites da lei Maria Penha com mulheres indígenas
“O heteropatriarcado e o racismo se combinam desde a nossa colonização” (CISNE M.; SANTOS, Silvana Mara de Moraes, 2018, p. 69), resultado disso são os mínimos benefícios e conquistas que as mulheres negras e indígenas obtiveram nesse cenário contemporâneo:
[…] as mulheres negras e indígenas pouco se beneficiaram das conquistas das brasileiras […]. As mulheres negras ainda ocupam a base da pirâmide social: desempenham as profissões consideradas de menos prestigio; apresentam o menor índice de desemprego; e recebem os menores salários dentre a população economicamente ativa, mesmo quando atingem os níveis educacionais de homens e mulheres brancas/os. As mulheres negras apresentam um índice de analfabetismo três vezes maior do que o das mulheres brancas, as mulheres indígenas permanecem à margem do processo de inclusão social: além de apresentar um alto índice de analfabetismo, são poucas as que têm acesso à ocupação profissional, a não aquelas reconhecidas no interior da aldeia (Plataforma Politica Feminista, 2002, p 17).
Os aspetos socioculturais que refletem na violação dos direitos de mulheres negras e indígenas desde o período colonial brasileiro como citado no início deste artigo nos faz entender a estrutura de sociedade, e como o meio de produção capitalista se consolida com a exploração da força de trabalho, nos da certeza de que as mais atingidas são as mulheres, principalmente indígenas e negras, mesmo que a sociedade caminhe no combate as opressões, o racismo e o sexismo, são bases que sustentam as explorações, por isso a luta pela vida das mulheres é imprescindível.
A violência e desigualdades enfrentadas por mulheres não são recentes, o que são recentes, são as medidas criadas para combater essas violações. O ano de 2019¹ foi marcado por como um ano violento, desde janeiro, mais de 200 casos de feminicídios foram registrados em todo Brasil.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é quinto país que mais violenta mulheres, boa parte dessa violência, condizem com a naturalização desse processo. As relações sociais com mulheres indígenas e negras são relações de opressão e apropriação, uma vez que, são mulheres que ocupam as periferias, os índices da vulnerabilidade social, e são as que mais sofrem com o processo de exploração do sistema capitalista. Debater e promover mecanismos para coibir e reduzir este quadro de violência é necessário para reverter esse quadro. Todo esse fenômeno de violência contra mulher (VCM) é resultado da estruturação das relações patriarcais, “uma violação sistemática de direitos humanos” (Táboas, 2014, p.99), não afeta somente a integridade física, mas também a emocional.
Ao entendermos a violência contra mulher de forma estruturante, consideramos que as denominações violência doméstica e familiar, intrafamiliar e conjugal não contemplam a caracterização da violência nesta sociedade patriarcal. Nesse mesmo sentido, consideramos que violência de gênero não explicita a condição específica da mulher como sujeito central de violações advindas de uma sociedade patriarcal perpetrada por violência. (CISNE M.; SANTOS, Silvana Mara de Moraes, 2018, p. 69).
A violência estrutura o patriarcado na sociedade, essas relações correspondem principalmente à apropriação dos corpos e da vida das mulheres. A VCM acontece além das relações conjugais e familiares, para entendermos esse processo de ciclo e violência, é necessário entender toda a sua totalidade, pois a violência ocorre além das relações conjugais e familiares.
Saffiotti (2004, p. 65), afirma que essa violência contra mulheres “estava bem escondida”. CISNE M.; SANTOS, Silvana Mara de Moraes (2018, pág. 70) corrobora:
Foi graças aos estudos e às lutas feministas que essa realidade passou a ganhar devida visibilidade, tanto no campo da produção de conhecimento, quanto como um problema de ordem pública, e como tal, passa a demandar políticas do Estado.
Ou seja, as organizações e luta das mulheres foram fatores cruciais na criação de políticas públicas, toda essa realidade ganha visibilidade no combate à essas opressões, resultado dessas lutas foi a Convenção Interamericana Para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ), ocorrido na década de 1990, um instrumento resultado da luta das mulheres que serviu de base para a criação da Lei 11.340/2006, lei Maria da Penha no Brasil.
A lei Maria da Penha é consolidada como uma das mais importantes leis no Brasil, sua aprovação a 14 anos, foi base importante para criação de outras leis. Mesmo sendo um grande instrumento de luta contra a violência a mulheres, ainda há uma grande barreira na proteção a mulheres indígenas, principalmente as que vivem aldeadas.
Muitas mulheres indígenas de diversas etnias afirmam que a lei Maria da Penha não funciona com elas, no contexto em que elas vivem, isso se dá de muitas formas. A falta de acolhimento, a barreira linguística e a falta de assistência próxima a aldeia que vivem são um dos pilares que abrem a discussão. A falta de despreparo de delegacias e órgãos competentes no acolhimento as mulheres indígenas precisa urgente ser aferidos.
Mesmo os órgãos que as represente como a FUNAI, SESAI (Secretária de Saúde Indígena) há certas barreiras quanto a assistência a essas mulheres, os desmontes das políticas públicas contra os povos indígenas faz com que esses direitos fiquem no meio do caminho. A lei Maria da Penha é hoje uma rede de proteção as mulheres, todavia devemos estender essa rede as mulheres indígenas, de acordo com as suas especificidades e costumes.
A história das mulheres negras e indígenas é marcada por muitos processos de violência, mas também por forte resistência e luta. Nossas ancestrais foram violentadas, escravizadas, retiradas de seus territórios; mas também se aquilombaram e foram importantes referências nas lutas pela emancipação do povo negro e indígena.
Hoje, nossas lutas seguem, contra o capitalismo predatório que avança sobre as nossas terras, rios e florestas; contra a necropolítica que mata a juventude preta nas periferias e favelas; contra a violência que nos nossos corpos sofrem que são também violências racistas; em defesa das nossas vidas. Nossos caminhos são guiados por Marias, Mahins, Marielles, Tuiras.
A construção de uma nova lógica de sociedade, passa pela organização das mulheres que foram historicamente exploradas. Não há luta anticapitalista, sem luta antirracista. A revolução será preta e Indígena!
¹ este artigo foi inicialmente escrito em 2019 para uma disciplina do curso de Serviço Social.
Referencias:
AGUIAR, Neuma. Patriarcado, sociedade e patrimonialismo. Sociedade e Estado. Brasilia, v..15, n.2, jun./dez.2000.
CISNE M.; SANTOS, Silvana Mara de Moraes. Feminismo, diversidade sexual e serviço social. Biblioteca Básica do Serviço Social. São Paulo,v. 8, 2018
DAVIS, Angela. Mulher, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SAFFIOTI, Heileith. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Perseu Abramo, 2004.
______. A mulher na sociedade de classes. São Paulo: Boitempo Editorial 2013.
TÁBOAS, Ísis Dantas Menezes Zornoff. Viver sem violência domestica e familiar: a práxis feminista do Movimento de Mulheres Camponesas. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos e Cidadania do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
Documentos:
PLATAFORMA POLÍTICA FEMINISTA. Aprovada na Conferencia Nacional de Mulheres Brasileiras. Brasília, 6 e 7 jun. 2002. Parágrafos 12 e 13. Disponível em: <http://www.institutobuzios.org.br/documentos/PLATAFORMA%20POLITICA%20FEMINISTA.pdf. Acesso em 11 nov. 2019.