Sexualidade e feminismo no Brasil de Anitta
Algumas reflexões sobre o vídeo do Estado de Minas e sobre como nós, feministas, podemos enfrentar o debate sobre sexualidade na mídia.
Esse texto reflete uma opinião pessoal, esse debate ainda está em aberto no Coletivo Juntas.
Recentemente, um vídeo do Estado de Minas abriu uma polêmica sobre a hipersexualização das “divas pop”. O vídeo afirma que a demonstração de sexualidade de mulheres como a Anitta e Luísa Sonza como produto comercializável seria uma maneira de reduzir as mulheres a um produto comercializável. Assim que o vídeo saiu algumas feministas o compartilharam em suas redes e algumas pessoas me enviaram mensagens perguntando minha opinião sobre o assunto, e o vídeo me incomodou bastante. Fiquei pensando então sobre porque ele me incomodou, porque incomodou outras mulheres de maneira diferente – mulheres negras, e porque fazia sentido para algumas companheiras.
Em primeiro lugar, o debate me lembrou do momento em que conheci o feminismo e como algumas coisas que nunca haviam me preocuparam começaram a me incomodar bastante e como algumas outras, que sempre me fizeram muito mal passaram a fazer sentido. Sempre que saia de casa quando era adolescente era muito assediada na rua, era bastante comum chegar em casa chorando. A resposta que recebia da minha mãe nesses momentos era de que meu incômodo vinha de não ter tido ainda experiências sexuais, e por isso não saber lidar com ser vista como objeto de desejo pelos homens. Por um lado ela estava certa, porque hoje em dia sei muito bem lidar com essas situações, xingando eles e afirmando que não tenho medo – a não ser que esteja de noite, sozinha, aí continuo com medo. Por outro, me fez muito mal o não acolhimento e a culpabilização por uma violência que sofria cotidianamente. Como afirma Lélia González, ao falar da hipersexualização da mulher negra e da venda da ideia da “mulata” como maneira de reforçar o turismo sexual no Brasil, tenho certeza que essa situação deve ter sido muito mais forte para muitas mulheres negras. Então, quando alguém afirma que a hipersexualização das divas pop pode influenciar em sermos vistas como objetos sexuais, entendo que isso pode ressoar com força para muitas.
Mas como eu disse inicialmente, a minha mãe tinha uma parcela de razão. Porque foi ao conquistar uma relação com a minha sexualidade menos mediada pela culpa e pelo medo que eu aprendi que minha sexualidade não pertence aos homens que me assediavam na rua, mas a mim mesma. Essa pode ser uma relação bastante singular, mas dançar funk foi uma experiência importante para a construção da minha sexualidade. E sei que para muitas meninas, que vem muitas vezes de situações bastante diferentes da minha, a dança é uma ferramenta muito poderosa de expressão. Inclusive, referencio aqui a postagem de Maíra Neiva Gomes na qual a mesma afirma a relação entre a dança e a base ritualística de religiões afro e sua presença nas periferias. Isso não significa dizer que não há machismo no funk, na minha opinião há tanto machismo quanto na ideia da mulher recatada que foi imposta aos europeus às demais culturas. Mas o machismo não está na sexualidade, e sim no controle da mesma.
Uma outra perspectiva nesse sentido seria a da Indústria Cultural. Afinal, Anitta e Luisa Sonza não são meninas aprendendo a lidar com sua sexualidade, são grandes empresárias vendendo sexo. Nesse sentido, acho muito válida a crítica a arte como mercadoria, à mídia de massas. Acredito que a arte que a esquerda deve defender e propagar é a arte crítica, com incentivo a criação dessa arte pelas pessoas que sofrem nas mãos do capitalismo. No entanto, não acredito que vender sexo seja de alguma maneira mais degradante para as mulheres do que a mercantilização de qualquer outra parcela da vida humana. Não estou falando aqui sobre as condições absurdas nas quais vivem muitas mulheres que tem sua sexualidade comercializada na indústria pornográfica e na prostituição, mas sobre a ideia de que o sexo é de alguma maneira uma parcela diferenciada de nossas vidas, que deve ser protegida, uma ideia conservadora. Como falou, Maíra Neiva Gomes, a ideia de que nosso sexo é frágil.
Mais do que isso, acredito que a arte crítica deve ser capaz de incorporar o sentido de uma sexualidade livre para as mulheres, isso significa que ela deve expressar a sexualidade dessas mulheres e não apenas de maneira sublimatória. Não é apenas como intelectuais, artistas, médicas ou dirigentes políticas (insira aqui seu ideal) que podemos nos expressar, nós podemos gostar de sexo e devemos ser respeitadas por isso.
Acredito que se todas as representações midiáticas das mulheres se reduzirem a mulheres se masturbando ou sendo sensuais o feminismo terá perdido bastante. Assim como se nos reduzirem a qualquer coisa. O feminismo que eu defendo é aquele que permite mulheres múltiplas e que permite que eu mesma seja múltipla, que me permite não me reduzir a uma única identidade fixa. Em determinados momentos quero ser objeto de desejo dos homens – o que não significa abertura para desrespeito, em outros quero ser uma militante anticapitalista, em outros uma intelectual, em outros quero apenas dançar.