Juntas contra o racismo e a intolerância
Pela liberdade religiosa!
Nas últimas semanas, nos deparamos com o terrível caso de Liliane que denunciou a perda da guarda de sua filha por ter levado a menina, de 14 anos, a frequentar um terreiro de Umbanda, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O caso aconteceu na cidade de Ribeirão das Neves e, infelizmente, está longe de ser um dos únicos em nosso país. A escola onde sua filha estuda acionou o Conselho Tutelar alegando que a adolescente sofrera maus tratos no terreiro e, supostamente, sua mãe a estaria impedindo de praticar outra religião. O caso está sendo acompanhado por uma equipe de advogados do Idafro, Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras. O que aconteceu com Liliane tem nome e se chama racismo religioso. Os especialistas afirmam que não há, sequer, provas de que a adolescente sofreu qualquer abuso e muito menos se pode afirmar que este teria ocorrido a partir de rituais umbandistas, mas, mesmo assim, a primeira atitude foi de tirá-la do seio familiar.
O que vemos aqui é mais um caso de racismo explícito que vem vitimando, principalmente, mães, mulheres, crianças, das formas mais violentas possíveis. Segundo pesquisas realizadas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, a religião que mais sofre de ocorrência de violação de liberdade religiosa é a Umbanda, seguida do Candomblé. A pesquisa também destaca que é entre as mulheres que o maior número dessas ocorrências se encontra. É impossível entender esses dados sem citar os 300 anos de escravidão no Brasil e como, desde sempre, houveram políticas públicas que tentavam ativamente criminalizar práticas de matrizes africanas, e isso se reflete ainda hoje, quando essas religiões são estigmatizadas, demonizadas, os terreiros são invadidos, depredados e incendiados.
O racismo estrutural no Brasil empurra a população negra cada vez mais para a marginalidade e afeta significativamente, no que tange às religiões de matrizes africanas, as crianças que ficam à mercê de um estado racista que separa famílias. Segundo Hédio Silva Jr., doutor em Direito e coordenador executivo do Idafro, esses casos de racismo religioso cresceram no Brasil nos últimos dois anos, muito diferente do que é a situação dos cristãos em nosso país que, aqui, nunca foram perseguidos, mas têm não apenas a solidariedade perigosa de Bolsonaro, fazendo declarações delusionais quanto a existência da “cristofobia”, mas também seu compromisso em elevar as pautas morais evangélicas ao último nível, ameaçando a laicidade do país e colocando em cheque a real liberdade religiosa. Ainda em 2020, o governo já escancarava seu caráter intolerante ao retirar a obra clássica “Orixás” do Planalto do Palácio. Está nítido qual é o projeto de Bolsonaro para nós, e ele não está do nosso lado.
Não podemos nos calar diante de todos esses ataques. É tarefa das feministas construir ativamente uma outra alternativa de realidade que de fato proteja mulheres, mães e crianças, nas escolas e nos terreiros, dando liberdade para que todos possam exercer sua fé, sem nenhum risco ou dano. É inaceitável que histórias como as de Liliane continuem acontecendo, e é dever de todas nós lutarmos juntas contra o racismo e a intolerância religiosa. O povo preto sempre lutou bravamente, de maneira exemplar, contra toda opressão e violência imposta a nós, e a resposta que sempre demos foi continuarmos vivendo e nos organizando a partir dos nossos territórios, dos terreiros, apostando no movimento popular e reivindicando espaços na política. Não aceitamos que tirem nossos filhos e filhas, hostilizem nossas vivências e saqueiem nossas crenças. Por justiça por Liliane e todas as mulheres vítimas desse estado racista!
Fontes: